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Abril, 2017
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do que sou

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Sei pouco do que sou. Talvez por ser demasiadas coisas, talvez por ser coisa nenhuma, talvez, não sei, nunca sei. Todas elas se confundem e misturam nos dois poços mais fundos de mim mesmo: o sentimento e a imaginação. Sinto o que vivo e o que é verdade, só isso é sentir. Imagino o que quero viver e o que só é verdade para mim, só isso é imaginar. De um lado, entranhas. Do outro, nuvens. No meio, qualquer coisa que não eu. Não sou nem uma coisa nem outra, sou uma coisa e outra. E esta coisa e outra lutam a toda a hora nesta coisa que me demora a saber.

Sentir é ter a vida verdade puta a viver-nos no estômago. Imaginar é pensar o estômago com essa vida mentira bela. Imaginar é maravilhoso, mas uma merda também. Imaginamos o que vai, imaginamos o que vem, nunca imaginamos o que está nem o que é. Estaríamos a sentir. Sentimos pouco, imaginamos muito, é o problema da gente que julga ter vida dentro. Imaginar é maquilhagem, anestesia. Sentir é selvagem, nevralgia. E é sempre num (sono) e noutro (nervo) que eu estou. E é sabendo os poços que me vivem dentro que eu vou sabendo cada vez menos do que sou.

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às vezes, quase sempre

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Às vezes, quase sempre,
todas as letras do mundo
me incendeiam o esqueleto.
Como hoje.
E, se não escrevo,
adeus,
tudo me foge.

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antónio e maria

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Há uma coisa no teatro que é mais do que a sua representação. Chama-se vida. E a que houve ontem viveu-me mais do que muitas outras tantas já me viveram.

Não era a Maria nem o António que estavam em corpo e letras, todo e todas em génio, no palco do Meridional. Era a vida de cada um deles, dissecada e cortada a sangue frio e servida a alma quente a toda aquela gente que viveu comigo. Era também a nossa vida que ali estava. Era, essencialmente, a nossa vida que ali estava.

Chorei o tempo inteiro. Como uma criança das pequenas ou das grandes, que isto deste choro não tem idade, que isto deste choro só tem uma coisa, e essa coisa chama-se vida, que é outro nome para a verdade.

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não digo

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Sou contra o não digo. Sou contra a boca calada e os dedos inertes. Sou contra o silêncio em estado, mesmo que noite. Sou contra a folha em branco, mesmo que carta. Sou contra a ausência de palavras. Sou contra a ausência. Contra. Ausência. Palavras. Sou contra o nada, mesmo que vazio. Mesmo que alegre. Sou a favor do coração na boca e nos dedos. Sou a favor do barulho no silêncio e na folha. Sou a favor da palavra. Sou a favor do tudo, mesmo que excesso. Mesmo que triste.

Que seria a vida sem a palavra para a dizer? Que seria a palavra sem a vida para a ser? Até na morte, quando a palavra é mais ausente do que a vida, é a palavra a única coisa que nos resta para dizer despedida.

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a minha mãe

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Faz anos a minha mãe. A minha mãe. É tão bonito dizer “a minha mãe”. É como dizer poesia em apenas três palavras. A minha mãe. Talvez “a minha mãe” seja a única poesia que há no mundo inteiro, a única poesia que realmente interessa dizer, a única poesia que deu origem a isto tudo que nos é e que nos tem. A minha mãe. Eu, que amo palavras mais do que amo a vida, trocaria todas elas para dizer, até à eternidade, “a minha mãe”.

A minha mãe é berço e leito, a minha mãe é a minha noite onde me deito. A minha mãe é grito e carinho, a minha mãe é o meu próprio ninho. A minha mãe é luta e choro, a minha mãe é ouro. A minha mãe é Freud e Vitorino, a minha mãe é o seu destino. A minha mãe é terra e verdade, a minha mãe é a mãe da saudade. A minha mãe é beijo e abraço, a minha mãe é mãe de um palhaço. A minha mãe é come a sopa e cuidado com o frio, a minha mãe é tens mesmo o meu feitio. A minha mãe é mãe-galinha, a minha mãe é minha. A minha mãe é preocupação, a minha mãe é exagero do coração. A minha mãe é princípio, meio e fim, a minha mãe é igualzinha a mim. A minha mãe é riso e melancolia, a minha mãe dá-me cabo do juízo, e o que eu lhe dou é poesia.

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