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Novembro, 2017
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rip famoso que era um génio

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É com extremo pesar que se anuncia a morte de um famoso. Pelos serviços prestados ao país e ao mundo, o famoso será sepultado com honras de Estado em todas as redes sociais e será lembrado por toda a gente como um génio na sua área

Todos lembram os bons momentos que passaram com ele e os ensinamentos que ele teve a bondade e o altruísmo de lhes transmitir. Todos escrevem frases tristes. Todos publicam emojis com lágrimas. Todos vomitam RIP.

“O mundo está mais pobre”, “O céu ganhou uma estrela”, “Até sempre, meu amor”, “Perdi um amigo”, “Descansa em paz”, “A vida é tão injusta” são as mais usadas. As razões para tal são complexas: pela sua imensa profundidade dramática e pelo facto de servirem para qualquer pessoa — na verdade, até para quem não é famoso (mas, sendo, o prestígio de quem as escreve aumenta — e o número de likes também).

O mundo fica sempre mais pobre, o céu ganha sempre uma estrela, ele é sempre amor até sempre, perdemos sempre um amigo, ele descansa sempre em paz e a vida é sempre tão injusta. Sempre, só que nunca.

Hoje, o famoso deixa de ser e a nossa vida continua. A dele não. Morto, chorado e enterrado, o que vai sempre acaba e o que fica sempre acaba por esquecer.

[artigo publicado no jornal público a 29 de novembro de 2017]

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mundo distante

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“Mundo Distante” está tão perto que nos chega a incomodar. Esta peça, escrita pelo meu amigo Nuno Costa Santos e interpretada pelo Eduardo Frazão e pelo Manuel Coelho é, essencialmente, realidade. É quase afronta ao teatro, à representação, ao ensaio, à invenção. É realidade, ponto final. E a realidade tem silêncios e asneiras e palavras e coisas inteiras que se arrastam entre as pessoas, tem internet e desemprego e poesia e muito pouco aconchego. Teatro que é realidade que não é teatro. É o que é.

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a morte do artista

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Kevin Spacey, Terry Richardson, Louis CK. Morre o artista, não morre a arte.

Por vezes, a morte é mais morte se não for literal. Kevin Spacey, não morrendo, morreu para o que fazia. Foi afastado da série House of Cards, despedido da Netflix, viu cancelada a sua homenagem nos Grammy e também a sua participação no filme Gore, já em pós-produção. Além disso – pior do que isso – tem o seu nome na lama da praça pública.

Mas, morrendo Kevin Spacey, não morre Francis Underwood (House of Cards), não morre Prot (K-Pax), não morre Lester Burnham (American Beauty) nem morre Verbal (The Usual Suspects). Morre o artista, não morre a arte.

Terry Richardson, outro artista que morreu por não ter sido humano. Morreu para a arte, mas não lhe morreu a arte. Foi afastado da Vogue e impedido de trabalhar na GQ, Vanity Fair e outras conceituadas revistas do grupo Condé Nast. Além disso, qualquer trabalho de Terry que ainda não tenha sido publicado, muito provavelmente não será.

Mas, morrendo Terry Richardson, não morrem as icónicas fotografias que tirou a Miley Cyrus, Jared Leto, Macaulay Culkin ou Beyoncé. Morre o artista, não morre a arte.

Louis CK, mais um grande em arte que foi pequeno em humanidade. Morreu para a arte de fazer rir, mas não lhe morreu a persona que nos faz, de facto, rir. E pensar. Consequências? Viu a estreia do seu novo filme, I Love You, Daddy, adiada indefinidamente e os seus especiais para o Netflix foram cancelados.

Mas, morrendo Louis CK, não morrem as suas análises pormenorizadas e carregadinhas de sarcasmo e pontaria dos pormenores da vida, não morre o Louie, não morre o Hilarious nem morre o Oh My God.

Kevin Spacey, Terry Richardson e Louis CK, três corpos que serão velados enquanto lhes existirem os corpos. Foram eles, os corpos, que fizeram deles artistas, mas também foram eles, os corpos, que lhes puseram um fim. As almas, essas, estão destruídas. Resta-lhes (resta-nos) a sua arte.

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aqui jaz quem não interessa

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Entre 17 de Agosto de 2017, data do ataque terrorista em Barcelona, e 31 de Outubro de 2017, data do ataque terrorista em Nova Iorque, houve 183 ataques terroristas em todo o mundo, 147 com vítimas mortais.

Em Barcelona, morreram 16 pessoas. Em Nova Iorque, morreram oito. Em todas as cidades que não interessam – porque pouco ou nada se falou delas, morreram 1353 pessoas. Mil trezentas e cinquenta e três.

Entre Barcelona e Nova Iorque, houve ataques terroristas (com mortos que não interessam – porque pouco ou nada se falou deles) em Arauca, Riosucio, Bujumbura, Semdinli, Mindanao, Djibo, Bagdade, Latakia, Península do Sinai, Gashua, Damasco, Samarra, Maluso, Turku, Acayucan, Maiduguri, Waddan, Lashkar Gah, Al Anbar, Kousséri, Cabul, Timbuktu, Kirkuk, Tall’Afar, Helmand, Mogadíscio, Khasavyurt, Kaspiysk, Dar’a, Sirnak, Ekeremor, Lice, Mandera, Jalalabad, Hamah, Dikwa, Lamu, Sirte, Tiaret, Karachi, Cukurca, Kismayo, Najaf, Kidal, Hakkari, Tegucigalpa, Srinagar, Ngala, Baidoa, Bingol, Siirt, Anantnag, Jos, Ramadi, Beledweyne, Arish, Mazar-e Sharif, Miraflores, Nasiriyah, Yala, Candaar, Deir ez-Zur, Ghormach, Mossul, Qamishli, Chamam, Trai, Tambopata, Yenagoa, Kanker, Agri, As Salamiyah, Chihuahua, Kano, Ar Raqqah, Al Haqlaniyah, Legaspi, Misratah, Yuksekova, Diyarbakir, Jeddah, Beni, Quetta, Mombaça, Ghazni, Gardez, Kiev, Manama e Banki. Também houve em Las Vegas. 58 mortos. Mas o terrorista foi um homem branco e norte-americano. Por essa óbvia razão, “não foi terrorismo, foi demência”, disse Trump.

O cortejo fúnebre vai decorrendo, assim, por aquela parte do mundo que não interessa – porque não é a Europa nem os Estados Unidos da América –, num ruído que mal nos chega, porque deste lado achamos que aqueles mortos nunca sequer foram vivos. E hoje, dia 2 de Novembro de 2017, é o dia deles. Ou será o nosso?

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web summiu, é com tristeza

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É com tristeza que se lamenta a morte da tecnologia em Portugal. A última vez que foi vista com vida foi esta quinta-feira, dia 9 de Novembro, na zona do Parque das Nações, em Lisboa.

O funeral será realizado em local e data a anunciar, logo assim que se obtiver a certidão de óbito, com um prazo de emissão a depender de cada conservatória. Em média, 15 dias úteis, contados a partir do pagamento da taxa de emissão do documento.

Esta mudança de morada (da vida para a morte) seguirá o seu percurso habitual, sendo necessário ir à Loja do Cidadão às 6h para conseguir senha que permitirá ser atendido às 11h no primeiro departamento, o das Finanças. Segue-se o departamento da Segurança Social, o da Água, o da Electricidade, o do Gás, o da Televisão e o da Internet. Pelas 18h, o pedido de mudança de morada já terá entrado no sistema.

De esperar que o percurso entre a igreja e o cemitério não sofra qualquer percalço a nível de trânsito. Se houver acidente, haverá uma catrefada de papéis a preencher, em duplicado e com uma caneta. Se a carrinha funerária estacionar em sítio indevido, será necessário ligar para a EMEL, ficar em lista de espera, desesperar, desligar, fazer o download da app, abrir a app, ver que a app não funciona, fechar a app, voltar a ligar para a EMEL, voltar a ficar em lista de espera, voltar a desesperar e por aí fora.

Em princípio, o funeral não será realizado em dia de eleições. No entanto, se isso acontecer, o mais provável é haver pouca gente nesta última homenagem à vítima, visto que só é possível votar num único sítio e de uma única forma, no local da sua residência e rabiscando um papel.

Rezemos, ainda, para que o tempo ajude. As previsões meteorológicas apontam para temperaturas que raramente se verificam. Rezar, não sendo, parece ser a única solução.

A quem não possa estar presente no funeral e pretenda colmatar a sua ausência com um donativo monetário, poderá fazer transferência bancária, mas só de segunda a sexta-feira, até às 15h.

Qualquer informação adicional será comunicada no prazo máximo de 30 dias úteis. Por carta.

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