vírus-amor
Aqui há uns tempos, escrevi um texto que, tal como o vírus, se espalhou por aí. Esteve em Portugal, Espanha, Angola, Cabo Verde, Brasil. Foi lido, pelo padre, na missa de Oeiras e foi bordado num pano, no Recife. Um simples texto que, hoje, ganha outra vida, desta vez em vídeo. A arte é da Susana. As palavras são minhas. O vírus também.
sozinha, a velhinha
Não está sozinha, a velhinha – está com o medo. Acompanhada por esse morte-certa-ou-talvez-nada que é o medo. Companheiro o dia inteiro que a faz estar, não sozinha, mas sem gente que se sente onde a velhinha tem a mão. Ninguém – talvez por ter medo, também. Ou é o medo que tem a gente, e a velhinha não sente e julga ser a multidão?
ao fundo, os tambores
Já não saía de casa há 14 dias. Finalmente, estava a ver que nunca mais. Mas vi, e nunca mais. O entusiasmo da saída deu lugar ao medo da saída. Já não sabia o que era a rua, receava ter desaprendido de caminhar e receava ter receio das pessoas. Tentei não respirar muito, ele pode andar no ar, não falar muito, ele pode ouvir, não fazer muito, ele pode estar. Sinto o corpo fechado em si mesmo, em mim mesmo, contraído, rijo, pequeno. Sou pequeno e tenho medo. Ao fundo, os tambores, ao perto, os pesados e graves e longos rasgos de violoncelos, como num filme. Tenho medo, quero voltar para casa. Quero voltar para a minha prisão de que tanto queria fugir. Uma espécie de Síndrome de Estocolmo puxa-me para dentro, para fora dali, para casa, para junto do meu agressor de quatro paredes e uma porta. Trancada, como a minha liberdade. Volto a respirar muito, fundo, dentro. De casa.