nem sempre somos nós
É normal não te sentires normal. Não há preocupação. As coisas são como são e tu és tão normal como toda a gente. Não igual, diferente. Mas que sente tal e qual como quem está ao lado, também confinado. É normal esses cavalos no peito ao acordar que, durante o dia, te andam a cavalgar e que, de noite, não adormecem, parece que sim, desaparecem, mas aparecem por fim sem que ele seja. O cavalgar aleija. Mói o peito e o efeito é despertar pensar pensar pensar pensar pensar. Dói. Não devia. É normal. Deve porque é o dia que se vai repetindo e a angústia que se vai engolindo encobrindo com vinho e televisão. A nós é que nos falta carinho, compreensão. É normal, o mundo está fodido. É normal o comprimido, é normal o não teres dormido a noite inteira por medo sabes lá de quê, nem sabes se é verdadeira a emoção de quem te vê. É normal quereres chorar. Desaparecer. Gritar com os pais, com os irmãos, com os vizinhos. Estamos onde não deveríamos viver, e parece que estamos sozinhos. É normal, não havendo normalidade, sentirmos que o passado é que era o lugar certo e que o futuro nunca esteve tão longe, mesmo estando tão perto. Essa vontade de tocar comer beijar foder parece doença e há quem se convença, e com a sua razão – cada um tem a sua, que tudo se leva com meditação. E quem não consegue? Vai para a rua? Quem não tenta – está no direito de não tentar, quem não quer, quem tem medo de falhar? Quem não, o que faz? Não há só uma solução. É normal dizer que não, não sou capaz. E sinto angústia e raiva e medo e minto nas redes sociais porque lá somos todos felizes todos iguais, criando raízes de seres “normais”. Não é essa a normalidade. Horror, saudade, vontade de amor. É normal tudo o que for. E não estamos sós. Somos humanos, falhas, inquietações e as multidões nem sempre somos nós.
distância:mente jovem| carolina
Carolina. 18 anos, leiriense, está no 12º ano. Tem a vida toda à sua frente e um bocadinho de medo à sua volta. Anda às voltas no quarto, mas é na cabeça que passa a maior parte do tempo. No entanto, aceitou sair de lá – do quarto – para conversar comigo e contar-me um bocadinho o que pensa e o que sente.
Distância:mente jovem, um podcast sobre o que está confinado na mente dos jovens leirienses.
[autoria: André Pereira | música: Ruben David Marques | entidade promotora: Câmara Municipal de Leiria]
escrever
é difícil escrever
sei o que quero
dizer
mas desespero
por não saber
transmitir
o que dentro tenho
a ganir
como se eu fosse um estranho
onde me entranho
e de onde me custa sair
na verdade é isso que me assusta
ter tanta vontade de entrar
entranhando
que eventualmente
entrando
acabarei por ficar
sem saber distinguir
o que estou a pensar
do que estou a sentir
por enquanto
apesar de tanto
ainda consigo
e se calhar
este medo de não conseguir
transmitir
o que dentro tenho
a ganir
é só o medo a existir
se eu acabei de escrever
só não sei se entrei
e se entrando fiquei
cá dentro a viver
um antónio é um tó
Quem se chama António, José, António José, José António, Rafael, Francisco ou outro nome do género, nunca deveria ter um nome invulgar junto deste. Um António é um Tó, um José é um Zé, um António José é um Tó Zé, um José António é um Zé Tó, um Rafael é um Rafa, um Francisco é um Chico e por aí fora. Um António Braz, por exemplo, deixa de ser Tó para ser Braz, desperdiçando um diminutivo simples, eficaz e fácil que os pais nos puseram a saltitar mesmo ali à frente da baliza. Um António Braz não pode ser Tó, porque seria ridículo ocultar o Braz. Mas também não fica bem ao Braz tirar valor ao tão simples, eficaz e fácil Tó. Em que ficamos? Pois. Estamos perante um problema grave e raramente – talvez nunca – discutido. Andamos para aí a debater o vírus, a ascensão da extrema-direita e a economia deixando temas tão importantes como este ao deus dará. Enfim.