pelo abismo da aflição
Fui ao dentista. Tive dores e pensei. Penso muito quando tenho dores. Tenho muitas dores quando penso. Estava eu vulnerável, com uma broca a perfurar-me um nervo qualquer do molar, quando pensei, doendo, no tão na moda “viver o agora”. Raramente vivemos “o agora”. Diria que sim. A sociedade corre e nós corremos com ela, como sem fim. Não aproveitamos o filme que estamos a ver, o sofá onde estamos sentados, o sol que nos aquece, pouca coisa, nada nos apetece. Estamos constantemente neste estado ansioso de futuro constante que não nos larga. Isso é verdade – eu estou sempre além longe do agora, mas também é mentira. Eu, com aquela broca a perfurar-me um nervo qualquer do molar, estava a viver o agora. Queria pensar no passado ou estar já a viver a chamada que iria receber mais tarde, mas não. Estava ali, naquele momento, inteiramente de corpo e pensamento, a sofrer. E isso fez-me pensar, doendo, que nós, de facto, vivemos o agora. Mas só se o agora for dor. Se não for, sendo prazer ou coisa indiferente, passamos à frente em busca de nova dor onde ancorar o pensamento. No passado ou no futuro, tanto faz, mas sempre em movimento. Há pessoas que não, certamente. Mas há pessoas que sim, como eu, que têm uma espécie de atracção pelo abismo da aflição. Uma atracção que não é voluntária – eu não quero viver a broca a perfurar-me um nervo qualquer do molar, mas que vem de mim. E não sei se o problema é ter inclinação para viver a dor ou não conseguir sequer viver o prazer – ou até mesmo a coisa indiferente. Mas, naquele momento, vivi sem querer o agora que ainda me demora no dente.
alerta giveaway de ilusão
Sou uma pessoa de manhãs. Acordar cedo é uma das bênçãos que deus nosso senhor me deu com a felicidade no rosto de um dia que está a começar e que me dá a linda luz da vida que se vive agora neste momento agora mesmo porque o passado já foi e o futuro não vem e sinto-me muito grata por ser assim e estar neste mundo que é este e por ter as minhas friends que são estas também lindonas como eu que me acompanham neste caminho que se faz caminhando com deus no comando e a deusa shiva da nutrição deitada em posição de pombo daltónico no meu chacra do meio sou dona do meu tempo e eu sou o meu mesmo próprio universo sou feliz e agora vou meditar e sorrir e espalhar alegria por toda a gente que não come carne de porco viva a beterraba e a soja. E tu, vais escolher a felicidade? Olha para dentro e sente tipo com o coração. Alerta giveaway de ilusão.
somos o teria sido
Conheço quem já tenha desistido da vida. Quem já não se importe com nada. Quem já não saiba sequer quem é. Se soubesse, certamente se lembraria de que, quando era quem não é hoje, queria ser feliz. Não sabe, então não se lembra, então não é feliz. O sonho é uma daquelas merdas que vai e vem. Nesta gente, foi e não veio. E a vida é apanhada no meio desta desistência da essência humana, a felicidade. Um homem vai perdendo sonhos com a idade. Já não vai a tempo de vestir o fato de astronauta, de ter uma banda de rock nem de ser o camisola 10 do Benfica. Então, o sonho vai, e o que fica é esse vazio de frio no dia-a-dia de quem se limita a existir. A respirar. A ouvir. A falar. A não ir. A ficar. Conheço quem já tenha desistido da vida. O que é fodido. Somos o teria sido. Em despedida.
distância:mente jovem| beatriz
A Beatriz tem saudades dos avós. Enquanto não os pode abraçar, vai vivendo a luta que vai tendo para lutar. Tem 14 anos e está fechada em casa, onde não sente a liberdade que sentia e que teme perder de vez. Mas acredita que tudo vai passar – mesmo que, ao dizê-lo, lhe trema a voz. E, apesar de todo o cansaço, sente que está perto o abraço que vai dar aos avós.
Distância:mente jovem, um podcast sobre o que está confinado na mente dos jovens leirienses.
[autoria: André Pereira | música: Ruben David Marques | entidade promotora: Câmara Municipal de Leiria]
distância:mente jovem| edgar
Edgar. 15 anos, leiriense, está no 9º ano… e em casa, e no parque, e na rua, e em qualquer outro lugar que não lhe permita ficar “paranóico”. Uma conversa à distância, mas muito perto de uma realidade comum a tantos jovens.
Distância:mente jovem, um podcast sobre o que está confinado na mente dos jovens leirienses.
[autoria: André Pereira | música: Ruben David Marques | entidade promotora: Câmara Municipal de Leiria]