o dia é da rua
o dia é da rua
da festa
da canção
a noite é da lua
do que resta
do coração
não quero voltar
não quero voltar
porque não posso
é a melhor forma
de não querer
seguir a norma
do não poder
até ao osso
gosto do sporting
Sou do Benfica. Gosto do Sporting. Quando era pequenino, gostava sem saber nem conhecer. Gostava porque via os meus tios a gostar, e gostava dos meus tios, e gostava do Sporting – como gosto ainda. E tinha uma bandeira que, por qualquer asneira minha, foi atirada para a fogueira como castigo. Fiquei triste e devo ter chorado – porque choro sempre que fico triste. Foi aqui, talvez, que me encontrei pela primeira vez com este sentimento de perda que ainda não fui capaz de perder – o verbo, sendo esta a cor, não poderia ser outro. Este ano, mudou, é outro, e ainda bem. Mas eu sou o mesmo. Sendo do Benfica, gostando do Sporting e gostando de ver os meus tios – e mãe e irmão e primos e amigos e tanta gente – a gostar também.
sabendo o que serei
não sei o que escrever
e não sabendo
sei mais do que o que escrevo
que escrevendo
vou tendo
uma forma de mostrar
que afinal sei
e que a arte de esconder
eu não a tenho
que escondendo
até a mostro a um estranho
que não sabe
sabendo
o que serei
os movimentos do ego
Fui ver. O Ruben toca, a Daniela canta e o Rodrigo estraga. O Ruben e a Daniela interpretam letras do Rodrigo. O Ruben e a Daniela são uma espécie de Chopin a musicar cocó. O Ruben e a Daniela são o Anthony Hopkins a recitar O Prédio do Vasco. O Ruben e a Daniela estão na sombra do Rodrigo. O Rodrigo é o sol que neles faz sombra e que nas palavras faz cancro. O Rodrigo não sabe estar em palco. Não sabe onde pôr as mãos nem o ego, então, mete-os em todo o lado. Nos bolsos, na cara, na postura e no desprezo com que interpreta, haha, “interpreta” aquilo que escreveu. Ele lê, ele canta – porquê?, ele faz movimentos com os braços imaginando ser Hamlet sendo João Baião. Ele é ridículo, não ao ponto de dar a volta e ser bom, como é o caso das coisas muito más, mas ao ponto de ser muito mau, não dando volta nenhuma porque não há volta a dar naquele vazio, como é caso das coisas que não chegam a ser coisa alguma. O amontoado de letras a que o Rodrigo chama de poesia é isso mesmo, um amontoado de letras a que o Rodrigo chama de poesia. Mais ninguém chama, só ele. E é só ele em palco. O Ruben e a Daniela lá estão e lá sorriem com a clara vergonha de quem chafurda em hemorróidas, e tentam ser Midas, mas não conseguem, coitados, não são mágicos e o Rodrigo não é poeta. Nem escritor. Nem actor. Nem intérprete. O Rodrigo queria ser tudo isso, é o que os movimentos do ego dizem a quem os vê, mas o Rodrigo não é. E ele não vê. Fala do amor, da depressão, da violência doméstica, dos maus-tratos aos animais, mas não fala de nada disso. Quando grunhe, vomita clichês linguísticos e conceptuais que envergonham, desculpem, eu falei em cocó?, cocó é génio! Agora é sobre amor entre duas pessoas, uau, incrível, Rodrigo, e, agora, o que é esse amor? Ele não sabe e, como não sabe, escreve e vai para palco “interpretar” e “cantar” – porquê? – o que escreveu. Falou dos seus livros, da sua exposição pública, das suas lutas e de tudo o que não interessa num espectáculo que não é sobre ele. Se fosse, seria perfeito. E o Ruben e a Daniela não estariam ali a fazer nada. Seria Rodrigo como ele foi e como ele gosta, não sendo, de ser: o país e o mundo.
nem corpo nem coração
nem corpo nem coração
nem foda nem paixão
nem sonho nem saudade
não
intimidade
é embalar a solidão
antes e depois do abandono
intimidade
se houver explicação
é qualquer coisa
como partilhar o sono