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Julho, 2021
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o silêncio faz parte

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E agora? O que é que eu faço? O que é que eu digo? Sorrio? Não sei sorrir. Desvio o olhar e a atenção para outro lugar? Finjo não estar? Como é que eu posso fingir não estar se toda a gente me vê? Para fingir não estar, tenho de estar. Se não, não seria fingimento, seria realidade. E todo este momento não seria momento porque seria verdade. É melhor não ser. E eu não sei. Não sei quem sou nem sei quem são estas pessoas que me olham. São más? São boas? Podem acumular ambas as condições – são pessoas, não são soluções. E eu sou outra pessoa. Ou outras, uma só, multidão… Por enquanto, sou tanto. Um dia, serei pó. Tudo em vão. O que é que eu sou? O que é que eu faço? O que é suposto fazer? (além de esconder o embaraço de não saber) Poesia… Deveria dizer poesia. Aqui, em cima destas mantas, perante estas pessoas que eu não conheço. E são tantas! Poesia… O que raio é isso? O que tem de ser? É rimar? Ou é só parecer? “Arte”… O que é que eu vou dizer?

Respira, André. O silêncio faz parte. A poesia é também o que não é. Como o amor, o vazio, a fé. Sorrio, é melhor sorrir. Sim, mesmo não sabendo como fazer. Acho que é assim. Pelo menos, vejo pessoas a sorrir para mim. Deve ser por compaixão. Umas olham, outras não, e eu em revolução por não saber fingir. Nem sorrir. Tenho de me mexer! A mão. Sim, a mão! Faz qualquer movimento com a mão! Abre. Fecha. Abre. Fecha. Não. Deixa… Não faças nada! Tens de falar. Sim, fala! Diz qualquer coisa, abre a boca, mostra os dentes, ajeita o cabelo, aclara a garganta e diz o que sentes. Não deixes que a ansiedade te obrigue a calar. Tens de falar! Não quero falar. Não quero estar aqui. Quero chorar… Sorri. Não consigo. Sorri! O que é que eu digo?! Falar, ou o ensaio para a fala, cansa-me o peito. Se calhar é defeito de fabrico o meu peito querer sempre fugir do lugar onde eu fico. E eu fico aqui. Sorri. Não consigo. Sorri! Não tenho jeito… O meu peito manda e anda e corre e quase morre de cansaço. E agora? O que é que eu faço?

Sei sempre o que fazer. Tudo! Nunca fico calado, parado, mudo, à espera que algo aconteça. Não sou desses malucos que ouvem vozes na cabeça. (embora pareça, eu sei) Como se desse para ouvir vozes noutro lugar que não na cabeça. No umbigo, no pé, no braço… Sou tudo aquilo que digo e não digo, sou o André, só não sei o que faço.

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eram gentes escondidas

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Duvido sempre de definições. Eu, que nunca soube quem era, mas que julgava ser alguém, dou por mim, agora, a ser ainda alguém, sendo outro que não o que julgava ser. Sempre me achei alguém com medo de gente, de praia e de solidão. Julgava ser assim. Parece que não. Hoje vim à praia conhecer gentes que ando a escrever de livre vontade, por trabalho e por amor. Não as conhecia, fui eu que as quis conhecer e escrever. Pisei a areia, fui ao mar. Sempre pensei que fossem duas coisas que eu iria sempre odiar. Parece que não. Senti-me bem sozinho, andando devagarinho, sem pingo de solidão. Enfrentei, como tenho tentado quase sem querer, alguns medos ou receios ou ilusões de tudo aquilo que eu julgava ser. Definições indefinidas do que eu achava de mim. Eram gentes escondidas. Parece que sim.

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eu sei que é um gato

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Os nomes dos animais só são nome de gente para a gente corajosa. Perder um Vitorino dói bem mais do que perder um Pantufas. Aconchegar um Vitorino ou um Pantufas, pelo contrário, aconchega-nos de igual modo. A coragem está no enfrentar da dor e não no enfrentar da alegria. Esta coragem de dar nome de gente a um animal nasce, no entanto, de uma cagufa da solidão. O meu gato, tendo o nome Vitorino, sendo um nome de gente, é um gato que transporta todo o peso, não sendo, de ser gente. Se fosse Pantufas, seria um gato, não poderia ser outra coisa, sendo Pantufas. Não é o problema de ser gente ou de ser gato, é a questão de ser gato sendo gente ou de ser gato sendo gato. E a verdade é que os gatos são gatos sendo gatos, sempre, apesar de todas os jeitos de gente que os donos dos Vitorinos lhes possam dar. Nós, eu, é que lhes atribuímos nomes de gente para alimentar a ilusão de que eles não miam mas falam, de que eles não nos adormecem em cima pelo calor mas pelo carinho, de que eles não são gatos mas são gente. E gente precisa de gente, ou de ilusão de gente, para se sentir parte. O meu Vitorino é um gato, eu sei que é um gato, mas é gente. E eu para aqui todo medricas cheio de coragem.

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a margem do tempo

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Uma peça de cinco minutos que demora sessenta. Uma pessoa em duas personagens. Uma velha, uma nova. Vivem pela casa e não se cruzam. A velha vê a nova, vendo a lembrança do que foi. A nova sente a velha, sentindo o que será. Não há palavras ditas e todas as que há estão nas que imaginamos pela tremenda seca que a peça causa em quem a vê e tenta compreender. A verdade é que a peça vê-se e compreende-se nos primeiros cinco minutos. Tudo o resto é desnecessário. Há música a acompanhar o desnecessário, música perfeitamente em linha com ele: inquieta ao início (primeiros dois minutos e meio), reveladora durante (segundos dois minutos e meio) e repetitiva no fim (últimos cinquenta e cinco minutos). Todos os (poucos) momentos que aproximam personagens e público são criados, apenas, pela música e pela luz. Sem música e sem luz, esta peça não seria teatro – o que significa que esta peça, se fosse apenas teatro, não seria teatro. É uma pena ver uma actriz como a Eunice fazer isto, mas também acaba por ser bonito – há uma espécie de beleza na decadência da peça que, por qualquer razão, vai bem com ela. A neta está lá e parece-me que o que faz faz bem. A peça, como está, não dá para mais. Talvez porque não seja uma peça, mas sim um exercício teatral que tem mais cinquenta e cinco minutos do que aqueles que deveria ter.

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robocop vs. ansiedade

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Estou aqui com uma dúvida. Quem acham que venceria esta luta: o Robocop ou a minha ansiedade? Por um lado, este meu estado é muito forte na previsão de qualquer golpe. Por outro, gasta muitas energias a combater inexistências. Já o Robocop é uma máquina de guerra e tem uma pontaria dos diabos. No entanto, é mais chapa do que carne. E segue um pensamento lógico. E é previsível. E não tem coração. Robocop. Sim, o Robocop. Ganha o Robocop.


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