capitão alberto
LAGOA DE ÓBIDOS / PRAIA DA FOZ DO ARELHO
Alberto sempre sonhou ser pescador. Na escola primária, o primeiro trabalho manual que fez foi um barco de cortiça. Não queria ser jogador de futebol, nem polícia, nem professor. “Queria ser pescador”. E foi, e ainda é. Por influência do avô, que o levava para a Lagoa e o ensinava a apanhar amêijoas, berbigões e mexilhões que depois serviam de complemento ao almoço que a avó lhes vinha trazer. Aos 16 anos, comprou um barco. Deu-lhe o nome de ALGOJA – as primeiras sílabas de Alberto Gonçalves Jacinto. Mais tarde, com as suas mãos, deu vida ao BEGOTO – o mesmo jogo de palavras em sílabas diferentes. “Fui eu que o fiz quando saí da tropa. Estive em Mafra pouco tempo, mas adorei – era motorista”. Mas nunca deixou de ser capitão. De lagoa, nunca de mar – “nunca senti o entusiasmo, e aqui é mais sossegado”. O mais próximo que esteve dele, do mar, trabalhando, foi ali ao lado, na Praia da Foz do Arelho, há uns 30 anos. “Vendia amêijoa, berbigão, caranguejo, pevides, tremoços, amendoins… Gostava muito, mas voltei para aqui”. É aqui que se sente feliz. “Todas as manhãs venho à Lagoa. Tiro uns caranguejos, vejo as artes das enguias e, à tarde, vou trabalhar”. Alberto faz manutenção de máquinas numa empresa aqui perto. Já trabalhou numa cerâmica, é agricultor, canalizador, percebe de mecânica e até ensina, mesmo não tendo ido longe nos estudos, biólogos e professores sobre a sua arte. Já apanhou alguns sustos na pesca, mas apanha mais caranguejo. Aqui, nesta Lagoa que conhece como as palmas das suas mãos.
[uma parceria com a Rede Cultura Leiria 2027]capitã orlanda
PRAIA DA NAZARÉ
“Ó mãe, não sei se sou capaz”, lamentou Orlanda, ainda menina, quando a mãe lhe sugeriu tomar conta do seu negócio de arrendamento de quartos e apartamentos. “Pegas nesta plaquinha, sentas-te ali e perguntas às pessoas se procuram um lugar onde ficar”, respondeu-lhe a mãe. “Pela minha mãe, eu fazia tudo”. Então fez e então ficou – já lá vão 36 anos. A vergonha passou e ela começou a ganhar um gosto que nunca mais a largou. “Hoje é disto que eu vivo e não me vejo a viver de mais nada”. O trabalho dá-lhe tudo o que lhe é importante – “algum dinheirinho” e tantas lágrimas, todas elas de alegria pelas amizades que vai criando com os hóspedes. “Quando se vão embora, ou choram eles ou choro eu”, diz, chorando. Encosta as costas das mãos aos olhos, enxuga as tais alegrias e volta a sorrir. Sorri mais nos três meses de Verão e na Passagem de Ano, no Carnaval e na Páscoa, quando há mais gente à procura de estadia. A dela é sempre ali, na sua terra, com a sua gente, arrendando apartamentos, quartos, rooms, chambres e zimmer. Alegria incluída.
[uma parceria com a Rede Cultura Leiria 2027]uma espécie de batota
Quem me vê sozinho, não me vê sem um livro. Ando sempre com um para não me sentir apenas um – por medo do vazio aonde isso me possa levar. Andando sozinho, com um livro, não ando sozinho. O livro é-me companhia, é-me bóia de salvação para quando começo a ficar sem forças por falta de talento para estar assim, só eu, em mim. É uma espécie de batota, eu sei, andar com alguém que não é alguém, que é só papel, mas sem ele custa mais andar, estar e permanecer quando ando, estou e permaneço sozinho – que, em boa verdade, é quase sempre. Mesmo quando estou acompanhado sem um livro. Com gente.
capitão orlando
PRAIA DA VIEIRA
Amor de Mãe. Orlando Faustino tem o nome da sua primeira embarcação tatuado no braço forte e choroso da memória. O nome vinha dos antigos donos, e assim ficou. E Orlando fica longe quando lembra a sua infância junto da mãe e do seu amor, junto do pai e das suas redes. Orlando foi apanhado por este ofício ainda criança – “tinha uns seis ou sete anitos” quando começou a fazer redes e a ajudar o pai na pesca do camarão. O barco era pequeno, Orlando também, e os medos da mãe eram maiores por ver os dois amores entregues à pesca e ao mar. Por vezes, acompanhava o coro que se ajoelhava na areia a rezar para que os pescadores marinheiros voltassem bem. Orlando e o seu pai sempre voltaram. E sempre se acompanharam nestas andanças, mesmo quando, ainda menino, com 11 anos, Orlando foi trabalhar no vidro. Aos 17, de corpo e mãos já calejados, mudou-se para a metalurgia, onde limpou limas e fez a contabilidade da empresa. Veio a guerra, veio a tropa e, quando veio o fim, veio o sonho da emigração, mas o Exército disse-lhe que não. Ficou por cá, desfez-se o sonho e fez-se marido. Voltou a fazer-se ao mar, pescando e fazendo redes. Remendou algumas como remendou a vontade de aventura sendo bilheteiro do cinema, dirigente do clube e secretário da biblioteca da terra. “Como diz o outro, só estou bem onde não estou”, a não ser que esteja onde sempre esteve. No mar.
[uma parceria com a Rede Cultura Leiria 2027]capitão quiaios
PRAIA DO PEDRÓGÃO
Quem conhece a Praia do Pedrógão, conhece Manuel. Foi lá que ele nasceu, foi lá que ele cresceu e é lá que ele quer continuar a viver e a trabalhar até não conseguir mais. “Nunca pensei sair daqui. E, se ainda não saí, já não saio”, diz, e continua. “Meteu-se-me na cabeça desenvolver a minha terra, e acho que tenho conseguido”. Parece que sim. Pelo jeito como as pessoas lhe falam e pelo jeito como os lugares, calados, dizem as memórias que guardam. O café Casino, que abriu quando tinha 17 anos, é uma espécie de ponto de encontro para as gentes que passam pela praia. As esplanadas, há pouco tempo destruídas pelo temporal e agora renascidas por Manuel, são lugar de peixe à mesa e pés na areia. A discoteca Stressless também diz memórias, mas é Manuel quem não quer lembrar. “Evito lá entrar, é um choque muito grande”, quase chora. Agora, é só um esqueleto do que foi. Ele, tendo sido tanto, é feliz. Levanta-se às quatro da manhã e vai para o mar. Pega no barco e nunca sabe quando volta. Por vezes, até faz para se demorar, preferindo, à terra, o mar. “É uma paixão minha”, volta a sorrir. Ao voltar, traz robalo, linguado, raia, pregado, dourada e cansaço. Mas tudo passa quando veste o avental e se põe ao grelhador. Há dias em que só o deixa à noite. “É amor. Faço tudo com amor”.
[uma parceria com a Rede Cultura Leiria 2027]capitã lurdes
PRAIA DE SÃO PEDRO DE MOEL
“E tem sido assim uma vida”. As palavras são de Maria de Lurdes; a vida, sendo também a sua, é a de São Pedro de Moel. Aquela praça junto à praia não seria a mesma sem ela, que faz dela sua casa desde 1975. Na altura, trabalhava como contínua na Escola Primária da Pocariça durante a semana e, aos fins-de-semana e feriados, vinha a São Pedro vender tremoços, pevides, amendoins, pinhões, bolos e merendeiras. E foi vindo, e foi ficando, e hoje já ninguém lá vai sem passar por ela, sem pedir um euro de tremoços – dos mais rijinhos -, um bolinho bem cozido e um saco pequeno de pinhões, se faz favor. “Dois e trinta, três e trinta, quatro e trinta, aqui tem, obrigada, até amanhã”. Parece que foi ontem que chegou ali, sorri lembrando ao fazer as contas ao tempo que ali está. A conta dá 46 anos, mais uma mão-cheia de pevides para compor. Lembra os primeiros tempos, lembra as crianças que deixou na escola e que hoje a deixam emocionada por a visitarem já adultas. “Tenho muitas saudades das crianças”, quase chora. Mas agora não se vê noutro lugar. “Quero continuar aqui. Eu, sem São Pedro, acho que deliro”. São Pedro, sem ela, não seria.
[uma parceria com a Rede Cultura Leiria 2027]