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Setembro, 2021
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capitão artur

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PRAIA DO OSSO DA BALEIA

Eram sete. Resta um, Artur. Com a ideia de facilitar o acesso à Praia do Osso da Baleia, foi criada uma comissão de sete homens. Em 1977, começou a abrir-se caminho. Devagarinho, só aos sábados, mas com vontade de ver aquele sonho transformado em realidade. Artur orientava, e muita gente vinha, e toda a gente trabalhava. O almoço era por conta de Artur, e Artur conta que era um convívio bonito de se ver. Hoje, vê o caminho até à praia e não vê ninguém que o ajudou. Há gente que já não está, e a que está “não sabe quem sou, não sabe que fui eu que fiz isto”. Há mágoa, mas o orgulho é maior. “Dantes, vinha-se de carro de bois ou de tractor”. Ou a pé, para os mais aventureiros. “Eu vinha a pé. Só comecei a vir de tractor em 1968, quando a minha mãe me deu autorização”. Em 1969, Artur apanhou o barco para Angola. Esteve na guerra, mas não a viu. “Foi a vida melhor que eu tive. Nunca fui destacado para lado nenhum, nunca tive nenhum dissabor”. A única dor que sentiu foi depois de ter dado sangue para ajudar uns camaradas vítimas de um acidente. “Fecha a mão, abre a mão, fecha a mão, abre a mão… Aquilo era uma garrafa de cerveja cheia de sangue. Depois, deram-me uma bifana mas, nos dias seguintes, o corpo mordia-me por todo o lado. Com o tempo, lá recuperei. Deram-me um louvor e 15 dias de férias”. Voltou ao quartel e, mais tarde, voltou à terra. Teve uma empresa de cerâmica e outra de materiais de construção. Pelo caminho, abriu caminho até à praia. “Tomara eu ter essa idade e voltar atrás, mas o tempo não volta”. Eram sete. Resta um, Artur.

[uma parceria com a Rede Cultura Leiria 2027]

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capitão acácio

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PRAIA DO BALEAL

“O mar era tudo para mim. Hoje, já não tenho capacidade para nada”. Acácio foi pescador, mariscador e nadador salvador. Apanhou robalos, douradas, percebes e gente. Hoje, apanha memórias que lhe navegam dentro. Lembra-se de ser menino e de ir com o pai para a pesca. Era feliz. Mas também se lembra de ser menino e de ir com medo para a escola. Era triste. Acácio sofria bullying. “Na altura, ainda não havia essa palavra, mas os mais velhos insultavam-me e batiam-me. Chegaram a atirar-me a bicicleta pela ribanceira abaixo”. Mas Acácio não caiu. Trocou a escola pelo pai e a matemática pelo mar. As contas, essas, foi fazendo-as ao longo da pesca. Havia dias em que apanhava mais de 200kg de percebes. Hoje, o limite é de 20kg por pessoa. “Ganhei dinheiro, mas também ganhei muitos sustos. Um deles veio numa onda que me foi buscar à rocha e me arrastou. Rasgou-me o fato, as costas, os braços e as pernas”. Foram elas que o traíram numa queda a transportar peixe no Prainha, o restaurante de família construído pelo pai há 60 anos. Foi operado, mas uma embolia pulmonar quase lhe tirou a vida. “O que me salvou foi eu ter os pulmões tão saudáveis por ter nadado tantos anos”. Sobreviveu, mas ficou parado. Das pernas e do que lhe ia dentro. “Eu chorava, chorava, chorava… Cheguei a ter consulta de Psiquiatria marcada, mas pensei: «tu és mais forte do que isto tudo». Fui dar umas voltas junto ao mar e atirei os problemas para trás das costas”. O mar foi mesmo tudo para Acácio. A vida, a queda e até a sua terapia.

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capitão albino

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PRAIA DE SANTA CRUZ

Tinha 13 anos quando se atirou ao mar, pela primeira vez, para salvar alguém. Ela, uma miúda, estava aflita. Ele, um miúdo, também. Mas ele conseguiu, ela sorriu e cada um voltou à sua vida. A dele, na praia, começou ainda bebé. “A minha mãe costurava as barracas, o meu pai alugava-as. Aos três anos, já aqui estava com eles, a comer a papinha e a dormir a sesta”. O seu pai era o que Albino seria durante a vida toda, banheiro. “Às seis da manhã, já andava a montar as barracas e a limpar a praia”. Eram mais de 300 metros de extensão de areia e mais uns quantos de extensão de mar. Sempre que lá ia, tinha de voltar. E voltou sempre, cansado, mas com gente que se afligia e quase lá ia ficando. Houve um homem que ficou. “O mar estava bravo – como sempre está nesta praia – e o homem estava estranho. Entrou no mar, mas eu chamei-o. Duas vezes entrou, duas vezes saiu. Pediu-me desculpa. À terceira, foi e já não conseguiu sair. Alguém o trouxe e ele acabou por ficar. Acho que aquele homem ia com aquela vontade de não voltar”. Albino entristece ao lembrar esta história, mas a memória dá-lhe mais alegrias do que tristezas. “Salvei muita gente e fiz muitas amizades”. Tantas vezes contra a corrente, Albino sente saudades. Das ondas, mas também das canções que chegou a tocar em bailaricos para pôr gente a dançar. Os corpos ondulavam e Albino, de certa maneira, lá voltava a ir ao mar.

[uma parceria com a Rede Cultura Leiria 2027]

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clareza: o falhanço

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Julgo sempre que falhei. E, sim, talvez tenha falhado. Não deveria ter dito, ter feito nem ter estado. E o efeito de tudo isso é este julgamento constante onde estou sozinho e sou bastante. Tenho este compromisso de desilusão e balanço entre a dúvida e a certeza do que aconteceu. Mas sempre com esta clareza: o falhanço sou eu.

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capitão antónio

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PRAIA DE SÃO MARTINHO DO PORTO

“Ovos, açúcar, fermento e farinha. É assim que eu faço, à maneira antiga”. À maneira de António Pedro, na antiga Pastelaria Concha, ambos nascidos nos anos 50. “A massa brioche deve ser sempre feita de um dia para o outro”, e parece que foi ontem que António aqui entrou. Tinha 13 anos quando veio aprender com os pasteleiros que, no Verão, vinham de Lisboa ajudar no negócio. Um deles, o Gonçalves, “era um artista, fazia rosas de caramelo como eu nunca vi ninguém fazer”. E ele, o António, foi aprendendo, até que chegou o dia de tomar conta da pastelaria. Tinha 20 anos, e já não era preciso ninguém de Lisboa. Havia António, de São Martinho do Porto. E, com ele, pastéis de nata, tranças, areias, bolachas, palmiers e outras maravilhas que eram uma delícia “para a malta que vinha da Green Hill, às cinco e seis da manhã, já com os copos – ainda saí com o rolo para dar na carola de um ou outro”. São muitos os que fazem fila para entrar – “nesta altura do Verão, chegamos a atender mil pessoas por dia”. O de António Pedro começava às quatro da manhã e terminava à meia-noite. Agora, o horário é outro, que António já está reformado, mas o gosto é o mesmo. É por isso que continua a vir, a vestir o avental, a pôr o chapéu de pasteleiro, a amassar, a enfornar e a deixar toda a gente que lá vai com vontade de voltar. À sua maneira, ao seu lugar.

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sou ironia (nada)

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Sou uma pessoa muito humana, amiga do seu amigo, que está de bem com toda a gente. (menos consigo) Sou muito humilde e tenho a mania da perfeição. Estou sempre contigo. (comigo é que não) Sou muito frontal, sou dono de mim. Sou apaixonado pela vida. (embora mais pelo seu fim) Sou a minha melhor versão, a minha arma é o sorriso. (sou vítima do que quero e não do que preciso) Só me atrevo a escrever aquilo que não sou. Quando escrevo, sei não ser e recebo mais do que dou. Sou um sonhador, um perfil de fachada. Sou ironia. (nada)

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eu com ele, onde ele não há

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Para eu estar num lugar, tenho de estar na iminência de o deixar. É uma urgência que tenho em mim, estar. Mas só estou se sentir a dor da perda por antecipação. Só estando, não. E o lugar pode ser casa, café ou coração. É tudo aquilo que é e que eu só quero quando estou a perder. E, depois, quando ele não está, estou eu com ele onde ele não há, longe de mim. Para eu estar num lugar, tenho de estar na iminência do seu fim.

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o dia são tambores

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É o barulho. Tudo é barulho. O sol, o almoço, o vento, o cheiro, os cafés, os cães, as janelas, os cigarros, os carros, os pensamentos, as cores, os sorrisos, as flores, a rua, a estrada, a escada, o passeio a pé. Nunca sei o que ouvir porque oiço tudo como tudo é. Porque oiço tudo, se tudo é? Se o tudo fosse leve… mas o tudo são dores. O dia não me serve. O dia são tambores. Não quero ouvir tambores. Não quero ouvir estrondos no peito. Mordo o dedo indicador e fica a marca. Aceito, e sinto a carne e o osso ao morder. É uma espécie de grito contra mim. Mordendo, vomito, e doendo e aflito vou sendo o que grito, uma espécie de aproximação do fim. Culpo o dia, mas a culpa vem de mim. Não devia, não sejas assim… Sou, e ela é minha. E eu só verdade. Mas só à noitinha, quando me chega a saudade.

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capitão manuel

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PRAIA DA AREIA BRANCA

Não é capitão, é herói. Sem capa e sem vaidade, Manuel Marques salvou a vida a muita gente. “Eu só queria que ninguém morresse, bastava-me ouvir um obrigado”. Ouviu muitos, tantos, que, ao recordá-los, o mar parece ganhar ondas nos olhos velhos que o olham. “Um dia de mar bravo, estava bandeira vermelha, e dois irmãos vão ao mar. «Ó mano, salva-te que eu vou morrer», dizia um. «Aqui ninguém morre», disse eu, e trouxe-os, um em cada mão, para terra”. Em cada mão, também, uma medalha de tantas que guarda em casa. Dizem Coragem, Abnegação e Humanidade, palavras recebidas por “actos de salvação marítima e de socorros a náufragos”. O que se sente ao ser-se herói? “É bonito, sinto-me feliz. O meu corpo serviu para trabalhar”. Salvando gente, abrindo guarda-sóis, preparando as barracas, cuidando da praia. Manuel era banheiro. O título de Nadador Salvador só o ganhou em 1959, quando fez o curso – o primeiro em Portugal, “no ano da inauguração do Cristo Rei”. Os braços, abertos às gentes que salvava, também se abriam às algas que ia buscar ao fundo do mar… “e a algumas senhoras que se demoravam na água”, sorri Manuel, o “malandro jeitoso” daqueles tempos. Sorrindo, e lembrando, Manuel é banheiro outra vez, sendo herói. Desta areia, deste mar.

[uma parceria com a Rede Cultura Leiria 2027]

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