só um bocadinho
Um garoto a curtir Moonspell. Cinco anitos, mais coisa menos coisa, de mini-metaleiro empoleirado aos ombros da mãe. Eu, mais velho um bocadinho, quase nada, fui também aquele pirralho de cabelo em pé e deditos trocados no ar. Foi bom voltar a sentir aquela inocência de quem ouve metal pela primeira vez. Caraças, que maravilha, bateria, guitarra, baixo, teclas, voz, potência, irmandade e delicadeza. Fiquei à beira de chorar mas, como bom metaleiro que sou, chorei mesmo. Só um bocadinho, quase nada.
génio e sombra de génio
Hipólito, Fedra, Teseu, pouco importa. Poderia ser João, Maria, Manuel. Importa a culpa. Só ela, sempre ela, do princípio ao fim da peça, do princípio ao depois do fim das personagens. A culpa assumida por Fedra por estar apaixonada por quem não deveria estar, a culpa atirada a Hipólito por não venerar uma deusa que deveria venerar e por desejar uma humana que nunca desejou e nunca teve, a culpa escondida de Teseu por ter condenado à morte quem não merecia morrer. Fedra escolhe a morte, Hipólito rende-se a ela, Teseu morre deixando-se viver. Há palavras e gestos que não são deste tempo, tal como há génio e sombra de génio que não deveriam existir no mesmo palco. E isso importa, apesar de tudo. E tudo é culpa. Não deixando de ser teatro.
| “Hipólito”, pela Companhia de Teatro de Almada, no Teatro Municipal Joaquim Benite. Texto de Eurípides, encenação de Rogério de Carvalho, interpretação de Carolina Dominguez, Cláudio da Silva, Elsa Valentim, Joana Francampos, Marques Arede, Miguel Eloy, Pedro Fiuza, Sofia Correia e Teresa Gafeira |
palavra bonita dita pela boca
António Costa, rejeitando qualquer conversa com o CHEGA, está a rejeitar qualquer conversa com 385.559 pessoas. Para ele, por pensarem diferente, estas pessoas não existem. Ele não diz que elas têm ideias diferentes – isso ele diz sobre todas as outras que votaram noutros partidos ou que não votaram, de todo. O que ele diz é que esta gente que votou neste não existe. É vazio. É nada. Ele nem considera a hipótese de tentar perceber as razões para esta gente ter as ideias que tem – ou, não as tendo, ter votado em quem votou. Ele, simplesmente, olha para o lado e finge, dizendo, que esta gente não existe. É ele que diz ser o primeiro-ministro de todos os portugueses. É ele que tem o dever de o ser – mesmo daqueles que têm ideias diferentes, por muito abjectas que possam parecer ou ser. António Costa, rejeitando qualquer conversa com o CHEGA, está a rejeitar aquilo que diz defender: a democracia, a igualdade, a liberdade – nada disto pode ser apenas palavra bonita dita pela boca de qualquer um. Tudo isto deve ser dito por inteiro, com toda a definição que tem. Catalogar parte do seu povo como inexistência é catalogar-se como isento de pensamento, de tolerância e de humanidade. Rejeitar quem é como nós – porque somos todos iguais, ou não somos? – é rejeitar-se a si próprio. É assumir uma única inexistência, a sua.
benfica vs. benfica
Se aquele golo tivesse contado, talvez o Benfica tivesse vencido. Mas duvido que tivesse começado a jogar um futebol incrível. O Benfica tem sido prejudicado uma ou outra vez pela arbitragem, mas não me parece que isso tenha assim tanta relevância. A arbitragem é sempre o bode expiatório de qualquer clube que está mal. É a tal necessidade de um vilão. A História explica isso, como diria o filósofo António Costa. E essa explicação vai da realidade à banda desenhada – o Batman não seria tão herói se o Joker não fosse tão vilão. Quando o Benfica não tem hipóteses de ter o Sporting nem o FCPorto como vilões (tendo em conta as distâncias pontual e de futebol praticado), atribui esse papel à arbitragem. Esta atitude de transferir o alvo para outro que não para si é natural no comportamento humano, mas não é uma inevitabilidade. Mas, ao que parece, parte da nação benfiquista acha que sim – ou melhor, não acha, aceita sem pensar em achar o que quer que seja. Mas só aceita porque não pensa, ou porque pensa mal. Porque, na verdade, o vilão do Benfica é o Benfica. E isso, se já custa pensar, custa ainda mais assumir. Mas é a verdade, é o passe a rasgar. E é o único caminho para o crescimento, para o golo.