não aleija ninguém
O movimento pela linguagem inclusiva, seja lá isso o que for, diz que o O é machismo tóxico, que o A é feminismo liberal as mulheres é que são inteligentes sexo fraco mas no fundo forte coitadinhas e que o E é neutro e não aleija ninguém. A verdade é que, por vezes, o O é feminismo liberal as mulheres é que são inteligentes sexo fraco mas no fundo forte coitadinhas, o A é machismo tóxico e o E tanto é neutro e não aleija ninguém como machismo tóxico como feminismo liberal as mulheres é que são inteligentes sexo fraco mas no fundo forte coitadinhas. E nem vou falar do I e do U. Não por não ter paciência, que não tenho, mas porque é muito provável que este movimento pela linguagem inclusiva não saiba da sua existência. Portanto, este é um movimento inclusivo que não inclui, exclui: letras e inteligência.
um homem vulgar
Vim a Lisboa. Consulta de Psiquiatria, nada de mais. Estacionei o carro e procurei um sítio onde almoçar. Ao pé da Penthouse, onde trabalhei e que já não existe, sim, javardice, havia uma tasca, aonde ia todos os dias. Já não há. Desilusão. Segui pela rua, uma porta aberta, por que não? Tasca, ainda mais tasca do que a outra. Vitela assada e. Eu sei o que o senhor quer. Maravilha. Um jarrinho de tinto, um lugar sozinho num canto. E eu sozinho. Chega o Camané, sim, o Camané. Senta-se ao meu lado. Quero dizer-lhe qualquer coisa. Pensa. Diz algo incrível. Diz que o admiras, diz que escreves, diz boa tarde. E digo, claro. Olá, não lhe posso agradecer a sua arte. Obrigado. Obrigado eu. Raios. Não lhe posso agradecer? Não lhe posso deixar de agradecer. Deixar de agradecer! Não lhe posso deixar de agradecer a sua arte. (E nem sei se o lugar do lhe é ali. Pouco importa.) Palerma. Está dito, está dito. Ele disse obrigado, talvez não tenha percebido bem. Era só eu, uma vulgaridade, a fazer-lhe uma atabalhoada declaração de amor. Como tantas outras vulgaridades, como tantas outras declarações de amor. E ele ali. Um homem vulgar, também, envergonhado, a ajudar uma família francesa a escolher o que comer. Carne de porco à portuguesa e bacalhau à braz. A família não sabia quem ele era. Ele não disse quem ele era. Merci. Aqui tem, senhor Camané, bom proveito. Iscas. Almoçou e foi embora. Antes de ir, olhou para mim e disse-me adeus, como se fôssemos velhos desconhecidos que se conhecem por aí. Eu disse adeus de volta e escrevi. Mais um jarrinho, por favor, se houver. Então não há? Quando acabar aqui o vinho, está o Tejo sem água. E eu ainda sem saber o que lhe dizer.
nenhum medo era meu
Perdi todos os medos que tinha
porque nenhum medo era meu.
Cada medo que vinha
não era medo,
era eu.
(Nem a cobardia era minha.
Foi ela que me perdeu.)
cativeiro: privação
Uma menor foi raptada por um homem de 48 anos, que a manteve em cativeiro durante oito meses. Para que fique esclarecido, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, «rapto: acto de tirar alguém de casa ou do local onde se encontra, através de violência, de ameaça ou de engano» e «cativeiro: privação da liberdade sem obrigação de servidão».
Para a Comunicação Social, é óbvio quem é o culpado. Não, não é o homem de 48 anos que raptou a menor de idade. Coitado do homem, ele só queria companhia. Aliás, segundo a TVI, «Luana tem uma dependência de jogos online e terá sido isso que a motivou a sair de casa». Ou seja, foi o Jogo Online que a levou a ser raptada. Para a Comunicação Social, o culpado é, claramente, o Jogo Online. É já um Fatality a esse monstro!