quis saber quem sou
quis saber quem sou
e ainda hoje não sei
andei por onde vou
ainda não me encontrei
asas de vento
coração de mar
eu bem tento
não me consigo encontrar
o povo é quem mais ordena
mas onde está? que não o vejo
eu não sou coisa pequena
sou desejo
o mundo pula e avança
para onde? a que preço?
fui vontade de criança
já não me conheço
estamos na praça da primavera
alguém me grita de algum lado
serei eu aquilo que era
ou serei eu grito calado?
tudo depende da bala
e da pontaria
da cantiga que me embala
cala a noite finge o dia
torna tudo mais urgente
não saber que nome tenho
se o caminho é em frente
por que venho?
pergunto ao vento que passa
se ele por acaso sabe
é nome de bala e de graça
liberdade
uma história infeliz
Foi triste ver o senhor Ruy de Carvalho. Não por estar perto do fim, não por estar a perder faculdades, não por ter sido bonito. Foi triste porque o senhor Ruy de Carvalho não estava sozinho em palco. A história era dele, mas o protagonismo não foi. Com ele, a tentar ter o protagonismo que não era seu, Luís Pacheco, um actor que, mesmo não estando em personagem, nem sequer foi capaz de fingir que sabia estar ali, a fazer o que devia e não o que gostaria de fazer. Apenas precisava de ouvir, de puxar, de unir lembranças e conversas que o senhor Ruy tinha para contar. Não o soube fazer. Ou não o quis. E o que poderia, e prometia, ser uma bonita oportunidade para contar e interpretar acabou por ser uma história infeliz. O princípio e o fim, com o senhor Ruy de Carvalho sozinho em palco, foram os únicos momentos que se aproximaram (pouco) da sua história. Houve teatro, criação, fragilidade e coração. Apesar do truque vulgar das luzes e da canção, do texto fraquíssimo carregado de lugares-comuns e da fraca dicção, estava lá, apenas, o senhor Ruy de Carvalho. E isso, apesar de tudo, bastava para não ser uma merda – não lhe dando, no entanto, o estatuto que o teatro e o actor merecem. Mas foi. Assim que o palco foi partilhado, terminou o teatro e tudo o que se poderia, e deveria, dizer sobre ele. Entrou o incómodo, a vergonha alheia, a brejeirice, o embaraço, a aflição, a vaidade, a presunção, a falta de densidade e de noção, a futilidade. Em boa verdade, o título já dizia a qualidade da peça. A HISTÓRIA DEVIDA, brincando com DE VIDA, é algo que arrepia de tão preguiçoso e corriqueiro que é. Indigno de quem pretendia homenagear. Foi triste ver o senhor Ruy de Carvalho porque, apesar de não estar sozinho, é ele quem se mostra, por muito que outros se queiram mostrar. É ele quem dá o nome e o corpo a este espectáculo que deveria ser outra coisa que não aquilo que é e que pareceu, um insulto à sua vida e a tudo o que ela nos deu.
A HISTÓRIA DEVIDA
EM PALCO: Ruy de Carvalho e Luís Pacheco
TEXTO: Paulo Coelho
ENCENAÇÃO E ADAPTAÇÃO: Paulo Sousa Costa
PRODUÇÃO: Yellow Star Company
saio à minha mãe
Saio à minha mãe. Nas olheiras cavadas e na beirinha da tristeza quase permanente, no medo de que algo aconteça, na ansiedade e na vontade de abraçar. Saio à minha mãe naquele jeito preocupado de olhar. Também no aconchego, no apego ao sonho e ao vulgar. Também no medo de acabar, até o fim. Saio à minha mãe, e a minha mãe não sai de mim.