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a elis regina não tem razão

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Desculpa, Elis Regina, mas eu acho que já não somos os mesmos nem vivemos como os nossos pais. Essa é, até, uma das nossas grandes angústias. Falo da minha geração, mas falo por mim. Eles, os nossos pais, apresentaram-nos uma vida completamente diferente daquela que nós, que eu, levamos. Eu não casei aos 20 anos, não tive filhos aos 22, nem arranjei emprego para a vida aos 25. Não tenho uma casa em meu nome, não tenho conta na mercearia, nem álbuns de fotografias de vida em conjunto. A minha vida, apesar da felicidade de uma estrutura familiar feliz, está fragmentada em memórias dispersas e descoladas. Desde que saí de casa, tive amores, paixões, desilusões, recibos verdes e casas arrendadas. Pouco mais. Não tive a capacidade de construir, nem de ajudar a construir, um único castelo onde pudesse fortalecer raízes de uma vida em linha recta, sem zigue-zagues de percurso. Os castelos que tenho são pequeninos, e muitos são de areia com bandeira a meia-haste. São vários os lutos por que tenho passado por não conseguir ser o que sonhei e por não conseguir ser o que são os meus pais. Sei bem que são outros tempos e que são outras pessoas. Eu, curiosamente, sou eu. Não sou os meus pais. Nem eles querem que eu seja eles. Mas também não é isso que me impede de ouvir constantemente um grito de angústia a ecoar-me nesta imensa sala da existência. Fracasso, desapontamento, e o cansaço de não saber se algum dia saberei ser como sonhei. E o tempo passa, cabrão do tempo, e os cabelos vão caindo, as vontades morrendo e a barba branqueando, e eu cá vou andando, com a memória carregadinha de estilhaços, alguns deles maravilhosos, mas estilhaços, pedaços que cabem numa caixa de sapatilhas e não cabem no coração. Bater de frente com a realidade da minha existência dói, inquieta e angustia. Por não estar onde eles estão, por não saber onde estou e por não saber para onde vou. Mas é precisamente a dor, a inquietação e a angústia que me estimulam na vivência do desconhecido. Por não estar onde eles estão, por não saber onde estou e por não saber para onde vou. O sonho é um lugar bonito onde estar. Mas, por vezes, não. E é aqui, Elis Regina, que te dou razão: viver é melhor que sonhar.

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