a tragédia começa no nariz
Tenho o nariz entupido. Tenho medo de morrer. Um clássico, eu sei. Sou homem e os homens não podem apanhar uma gripezinha que ficam logo não sei quê inserir clichê dito por mulheres que são todas muito fortes. Eu não sou. Nem mulher nem forte. Não neste caso que, para mim, é de vida ou morte. E não me ajuda nada falar ou escrever sobre isto porque, falando ou escrevendo, estou a lembrar-me constantemente de que tenho o nariz entupido e de que, ordem natural das coisas, vou morrer. Então falo e escrevo sobre isto, que esperteza. Acho que nunca nenhuma pessoa morreu por ter o nariz entupido, mas eu tenho sempre a forte convicção de que eu serei a primeira. Por isso é que, há coisa de meia hora, depois de ter passado o efeito de umas super gotas, saí do quentinho da minha casa para partir em busca de uma caixa de victans. Se é para morrer por culpa do nariz entupido, ao menos que esteja drogado, a dormir. Também encontrei uma pomada toda ninja. E tenho livros e um gato e um caderno onde aponto o que encontro e me apetece guardar. «”A comédia começa nas pernas”, Jacques Tati». (Só aponto o que encontro no caderno, não no gato, por vezes nos livros.) Sou capaz de morrer um dia destes, nunca se sabe. Já sei. A tragédia começa no nariz, André Pereira.