ele e ela
Estes são o meu tio António e a minha tia Fernanda, embora nunca tenham sido, para mim, nem António nem Fernanda. Estes são o Quicoino e a Nhanha. Ela morreu em 2002. Ele tem morrido aos poucos desde 2002. Ele existe, ainda, e ela também, num lugar diferente. Ele com muitas saudades dela, ela lá longe de nós. Ele choraminga sempre que a lembra, faz beicinho e limpa os olhos com as mãos enrugadas e duras e já fechadas sobre si mesmas. Solta um suspiro e tenta arranjar mais um bocadinho de ar para continuar neste lado sem ela. Tem conseguido. Ela enchia-me de mimos e eu roubava-lhe Ferreros Rocher. Ele tocava trompete e deixava-me chateá-lo enquanto dormia na espreguiçadeira. Foram-me tios por grau e avós por coração, tantas vezes pais. Hoje, o Quicoino está cansado e triste pelas saudades que nunca deixou de ter dela. Ela, a Nhnanha, tem a gargalhada estridente em cada memória que ele traz à conversa. Ele a preto e branco, ela a cores. Ele e ela, dois amores.