não sei quando nasci
Não sei quando nasci. Fui parido no dia 7 de Janeiro de 1985, mas acho que ainda demorei uns bons anos a nascer. Não sei quantos. Não sei muita coisa. Especialmente, não sei aquilo que sei. Duvido do que sei, quero eu dizer. E também duvido de saber.
A minha mãe está amarrada a mim desde que me desamarrei dela. E isso tem tanto de bom, como o cuidado e o mimo, como de mau, como o cuidado e o mimo. A minha mãe sente e chora antes sequer de eu sentir e chorar, e sente mais e chora mais mesmo depois de eu ter sentido muito e chorado muito. O meu pai é um pilar com sentimentos mais quietos e disciplinados. O meu pai também sente e também chora, mas o que sente só diz às vezes e o que chora não mostra. O meu irmão é o meu inverso e é por isso que eu gosto tanto dele. Mais novo, é ele quem manda e quem me ensina, é ele o racional e o pragmático. O que me explica nas calmas e o que me agarra pelos colarinhos, se for preciso. Eu sou o puto emocional que chora, escreve e faz teatros. O palerma que já tinha idade para ter juízo. Mais ao largo, tenho outra gente que me quer bem e que, tantas vezes, ignoro, algumas vezes, sem querer.
Quero sempre mais do que tenho e mais do que sou, tenho ânsias e sou medricas. Amo em exagero e odeio em fúria, tanto estou nas nuvens como na lama. Tenho um horror pavoroso à morte e uma ansiedade assustadora ao dia. Não sei viver o presente e apetece-me, algumas vezes, não viver de todo. Mas finjo bem, parecendo um tipo calmo, alegre e decidido. Sou, algumas vezes, feliz, culpa, quase sempre, da arte e de um ou outro sorriso matinal. Não creio em nada, odeio o ginásio e o meu prato preferido é bolacha maria com manteiga. O meu terapeuta diz que escolher é excluir e eu dou por mim sem escolher, excluindo.
Tenho alguma esperança nas merdas, apesar de tudo. E, contra o que penso, sinto que há coisas boas por nascer. Hoje, faço 35 anos e, na verdade, ainda não sei se nasci.