no próximo primeiro dia
O primeiro dia do ano é sempre um jogo em modo Hard. Qualquer coisinha tem de ser especial porque é a primeira coisinha do ano e vai condicionar todas as outras coisinhas que se seguem ao longo da vida – que é até ao próximo primeiro dia do ano. Vou sair pelo lado direito da cama, assim viro-me para a janela, abro o estore (não, não é estoro) e recebo logo a luz da manhã – vou fazer sempre isto porque o sol faz bem e não sei quê. Roupa interior azul por ser tradiç… Não. Roupa preta, que é com ela que eu ando o ano inteiro e este primeiro dia tem de ser uma declaração do meu eu. Haha Desculpem. Não vou ver já as mensagens. Primeiro, tenho de falar com a minha mãe, com o meu pai e com o meu irmão. Só depois com as outras pessoas. Mas o telemóvel está mesmo aqui ao lado, vou ver, não posso, não consigo não ver, não vou ver, olá, pai, olá, mãe, olá, Pedro. Objectivo cumprido. Chupa, necessidade-de-estar-sempre-em-contacto! Acordei com esta música na cabeça, vou ter de a ouvir, vai ter de ser a primeira. Mas estou à mesa para tomar o pequeno-almoço e o comando da televisão está mesmo aqui ao lado. Preciso de pensar no Ghandi para resistir ao poder imperialista da falsa necessidade (mais uma) de companhia televisiva. Volto ao quarto e oiço a música que queria ouvir. Mais um checkpoint. Gravação automática do jogo. E, agora, o pequeno-almoço? O que comer hoje vou comer todos os dias do ano, tem de ser, tenho de criar uma regra, desta é que é. Feito. Vou ao banho. Água fria, claro. Diz que faz bem e eu quero coisas que me façam bem, é hoje que eu vou iniciar o Reich de Mil Anos do Banho de Água Fria. Claro que é. Game over. Try again. No próximo primeiro dia do ano.