o joker somos nós
Arthur Fleck é um homem sozinho, triste, desapontado, deslocado, marginal, louco, puro e real. Arthur Fleck é Joker. O Joker somos nós.
Arthur Fleck não encaixa na sociedade. É um homem que grita sem ser ouvido, e, precisamente por gritar sem ser ouvido, grita para dentro de si, onde faz eco, pois o dentro é tão grande e tão vazio. E o vazio ocupa-lhe tanto espaço que, quando inflama, sai por todo o lado e atropela toda a gente. Pela boca, pelos olhos, pelos dedos, quem ama, quem odeia, quem não conhece.
É por isso que Joker, o filme (e Joker, o palhaço) nos deixa tão desconfortáveis. Joker, o palhaço, sofre da doença de rir em descontrolo, mesmo em momentos inoportunos. Joker, o filme, faz-nos rir em descontrolo, mesmo em momentos inoportunos. Quando ele ri no metro, quando ele vai contra a porta no hospital, quando ele mata em casa. É nestes momentos, e em tantos outros, que vestimos a pele (e a doença) de Joker, o palhaço. Rimos, metemos a mão à frente da boca e pedimos perdão pelo riso. É isto que acontece. Sempre. Por nos sentirmos a trair os nossos alicerces do bom e do mau, por não os sabermos distinguir e, até mesmo, por os negarmos.
Joker, o palhaço, faz o que grande parte de nós, em algum momento, em algum lugar, gostaria de fazer – por se sentir deslocado, por não poder mais. Joker, o palhaço, vai lá aquele sítio sombrio da nossa cabeça e diz olá. E nós adeus, dizemos olá de volta e ficamos nestas voltas inquietas à volta de nós mesmos. Isso incomoda-nos. Não gostamos que se saiba, não queremos que ninguém saiba. Mas sentimos, muitas vezes, o mesmo e temos, muitas vezes, o medo.
Olhamos Joker, o palhaço, e olhamo-nos ao espelho – e lá estamos nós, carregadinhos de maquilhagem. Joker, o filme, é uma obra-prima porque nos agarra pelas entranhas e faz o que quer com elas e connosco, porque nos inquieta e nos engana, porque nos atira à cara com uma prestação brilhante de Joaquin Phoenix – o Óscar não chega. Joker, o filme, brinca connosco. Joker, o palhaço, é o brinquedo. Somos nós a piada. O Joker somos nós.