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o meu avô

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Foi embora o meu avô. Mas ficou.

Fica sempre quem, indo, existe ainda. Ele foi porque tinha de ir. E é no peito que ele me continua a existir. É mesmo no peito, fisicamente no peito. É lá que, pelo menos, pelo mais, me dói. É lá o aperto de já não o ter perto. É lá o soluço da respiração, o descompasso do coração, as costelas, os pulmões, os nervos, tudo comprimido. Ele não deveria ter ido. Não. Mas foi, e dói, e dói mais, tão mais, quando nos morrem aqueles que julgamos imortais. Quando eu nasci, o mundo que me apresentaram tinha o meu avô. Era assim que o mundo era e era assim – quem me dera – que deveria continuar a ser. Os imortais não deveriam morrer. Entregava-lhe, de volta, a cor dos olhos que me deixou, o sacana daquele sorriso, tudo o que fosse preciso só para ter, de volta, o meu avô. Mas ele não volta. Baralhou as cartas, distribuiu as peças do dominó e deu-me um calduço à socapa só para brincar e dizer, sem dizer, que tinha sido a minha avó. Jogou comigo às damas no sofá. Entrelaçou os dedos das mãos e encostou-lhes a nuca, como se fossem almofada. Perguntou pelo Benfica. Agora, nada. As memórias são tão reais como a carne.

Ele foi, mas ficou. Existe, ainda, o meu avô.

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