o meu tio tonito
António Maria Andrino Pereira. António Maria. Tonito. Tio Tonito. O meu Tio Tonito. Olho para ele e vejo, sempre vi, um exemplo de força e de alegria e de liderança e de adulto e de criança que leva para a sua vida e leva para a vida de quem está com ele. Com ele, tudo acontece, tudo tem de acontecer. Não há vazio, não há ausência, não há silêncio de nada. Há constantemente a urgência da vida, das contas, da família, das alfaces, das galinhas, do Benfica. E tudo passa, e tudo fica. E ele, e quem está com ele, passa e fica também. Com ele, a vida acontece. Não por, simplesmente, acontecer. Mas por obrigação, por vontade, por qualquer coisa que ele tem no coração e que faz com que a sua vida seja, acima de tudo, realidade. Ele pega a vida pelos colarinhos e faz com que ela seja aquilo que ele quer que ela seja. Nem sempre é bonita. Por vezes, aleija. Mas o meu Tio Tonito, como por magia, pelo menos para mim, vive o dia. Assim, com a alegria e com a simplicidade que lhe existem naturalmente. Ele com ele, ele com toda a gente. O meu Tio Tonito tem a cabeça nos números e os pés na terra. Tem o coração na família e tem os olhos, quando choram, lá na guerra. Foi da maneira que foi porque foi da maneira que quis. Sem medo. Ele só queria ir, para começar a vida cedo. Foi, lutou, sofreu, chorou, fez o que tinha de fazer. De arma na mão, fez tudo para trazer o irmão – não aguentava vê-lo sofrer. Nem espingarda, nem canhão. Coração. Quando voltou, voltou a ser o que sempre foi desde pequenino: um homem. Embora, por vezes, pareça um miudito, por aí a correr e a brincar como se os joelhos não gritassem e a vida não fosse passando. Os joelhos lá gritam e a vida lá passa, mas o meu Tio Tonito não se importa. Até acha graça. Tem a quem sair. Olho para ele e vejo o meu avô. Ver o meu avô é bonito. No olhar, no riso e na genica do meu Tio Tonito. Vejo a minha avó, também. Vejo o meu Tio Zezito, vejo o meu pai. Vejo a minha Tia Lurditas e a minha Tia Belita. Vejo toda a gente que já lá vai e que ainda existe. Vejo o meu tio contente. Nunca vi o meu tio triste. Não por não o estar de vez em quando. Ele é que não dá importância à tristeza. É que nem lhe marca reunião. Ela pode insistir e ele, a sorrir, diz-lhe sempre que não. António Maria Andrino Pereira. António Maria. Tonito. Tio Tonito. O meu Tio Tonito.