passos em volta
A poesia tem forma. Braços, bocas, pernas, costelas, línguas, pés, cabelos, dentes. A poesia tem forma. E transforma e transgride e transporta a vida para as veias e vozes e vazios de quem a morde, trinca, saboreia e engole. O Herberto Helder fez poesia. O João, o Duarte, o David e a Beatriz deram-lhe forma. Materializaram-na, deram-lhe um corpo que ela usou que era o seu mas que não era. Era dela, claramente. Às escuras, aos saltos, às danças, às merdas puras que têm só quem sente. O João foi riso e verdade. O Duarte foi corpo, arte e loucura. O David foi puta, crueldade. A Beatriz foi, mesmo calada, apenas dançando sem voz, o grito aflitivo do nada, a vida quieta dançada, foi todos nós. Só agora voltei a ter respiração. Sinto que estive morto a viver. Quieto, no meu lugar. Corre-me o coração. A poesia também é ser. A forma é o seu estar.
“Passos em Volta”, encenação de João Garcia Miguel.