só de olhos fechados
Deveria haver um Tinder só connosco. Com mais ninguém. Só nós mesmos. Nem outras mulheres, nem outros homens. Só a mulher ou o homem que nós somos, que cada um de nós é. Cada um, por inteiro, embora partido – só está aqui quem está partido – à procura de si mesmo. Não à procura de alguém para uma foda, mas à procura de alguém – que somos nós – para uma conchinha. Seria tudo, e o tudo, pelo pouco que nos temos dado, poderia ser tão pouco como um tanto de um olá, de um sorriso ou de um olhar. Não precisamos de muito mais quando o que nos damos é tão menos. Haveria uma app, igualzinha à outra, mas invertida, mas obrigatória, com pesquisa imediata. A distância máxima seria a mínima, a localização seria aqui, cá dentro. Em loop, apenas nós. André, 35 anos, a 0km daqui. Fotos em tronco nu, fotos com um gato e fotos a realçar os olhos azuis. Mas todas a preto, sem se verem o tronco, o gato nem os olhos. Só faríamos swipe right se estivéssemos dispostos a ver o escuro. Só haveria match se estivéssemos dispostos a ver o escuro além do escuro. Apesar de tudo o que envolve um primeiro encontro – da ilusão ao medo, do prazer à queda. Um blind date de realidade – que só de olhos fechados nos conseguimos olhar, tocar e ser. Com verdade.