um homem vulgar
Vim a Lisboa. Consulta de Psiquiatria, nada de mais. Estacionei o carro e procurei um sítio onde almoçar. Ao pé da Penthouse, onde trabalhei e que já não existe, sim, javardice, havia uma tasca, aonde ia todos os dias. Já não há. Desilusão. Segui pela rua, uma porta aberta, por que não? Tasca, ainda mais tasca do que a outra. Vitela assada e. Eu sei o que o senhor quer. Maravilha. Um jarrinho de tinto, um lugar sozinho num canto. E eu sozinho. Chega o Camané, sim, o Camané. Senta-se ao meu lado. Quero dizer-lhe qualquer coisa. Pensa. Diz algo incrível. Diz que o admiras, diz que escreves, diz boa tarde. E digo, claro. Olá, não lhe posso agradecer a sua arte. Obrigado. Obrigado eu. Raios. Não lhe posso agradecer? Não lhe posso deixar de agradecer. Deixar de agradecer! Não lhe posso deixar de agradecer a sua arte. (E nem sei se o lugar do lhe é ali. Pouco importa.) Palerma. Está dito, está dito. Ele disse obrigado, talvez não tenha percebido bem. Era só eu, uma vulgaridade, a fazer-lhe uma atabalhoada declaração de amor. Como tantas outras vulgaridades, como tantas outras declarações de amor. E ele ali. Um homem vulgar, também, envergonhado, a ajudar uma família francesa a escolher o que comer. Carne de porco à portuguesa e bacalhau à braz. A família não sabia quem ele era. Ele não disse quem ele era. Merci. Aqui tem, senhor Camané, bom proveito. Iscas. Almoçou e foi embora. Antes de ir, olhou para mim e disse-me adeus, como se fôssemos velhos desconhecidos que se conhecem por aí. Eu disse adeus de volta e escrevi. Mais um jarrinho, por favor, se houver. Então não há? Quando acabar aqui o vinho, está o Tejo sem água. E eu ainda sem saber o que lhe dizer.