uma história infeliz
Foi triste ver o senhor Ruy de Carvalho. Não por estar perto do fim, não por estar a perder faculdades, não por ter sido bonito. Foi triste porque o senhor Ruy de Carvalho não estava sozinho em palco. A história era dele, mas o protagonismo não foi. Com ele, a tentar ter o protagonismo que não era seu, Luís Pacheco, um actor que, mesmo não estando em personagem, nem sequer foi capaz de fingir que sabia estar ali, a fazer o que devia e não o que gostaria de fazer. Apenas precisava de ouvir, de puxar, de unir lembranças e conversas que o senhor Ruy tinha para contar. Não o soube fazer. Ou não o quis. E o que poderia, e prometia, ser uma bonita oportunidade para contar e interpretar acabou por ser uma história infeliz. O princípio e o fim, com o senhor Ruy de Carvalho sozinho em palco, foram os únicos momentos que se aproximaram (pouco) da sua história. Houve teatro, criação, fragilidade e coração. Apesar do truque vulgar das luzes e da canção, do texto fraquíssimo carregado de lugares-comuns e da fraca dicção, estava lá, apenas, o senhor Ruy de Carvalho. E isso, apesar de tudo, bastava para não ser uma merda – não lhe dando, no entanto, o estatuto que o teatro e o actor merecem. Mas foi. Assim que o palco foi partilhado, terminou o teatro e tudo o que se poderia, e deveria, dizer sobre ele. Entrou o incómodo, a vergonha alheia, a brejeirice, o embaraço, a aflição, a vaidade, a presunção, a falta de densidade e de noção, a futilidade. Em boa verdade, o título já dizia a qualidade da peça. A HISTÓRIA DEVIDA, brincando com DE VIDA, é algo que arrepia de tão preguiçoso e corriqueiro que é. Indigno de quem pretendia homenagear. Foi triste ver o senhor Ruy de Carvalho porque, apesar de não estar sozinho, é ele quem se mostra, por muito que outros se queiram mostrar. É ele quem dá o nome e o corpo a este espectáculo que deveria ser outra coisa que não aquilo que é e que pareceu, um insulto à sua vida e a tudo o que ela nos deu.
A HISTÓRIA DEVIDA
EM PALCO: Ruy de Carvalho e Luís Pacheco
TEXTO: Paulo Coelho
ENCENAÇÃO E ADAPTAÇÃO: Paulo Sousa Costa
PRODUÇÃO: Yellow Star Company