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teatro
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o teatro ambulante chopalovitch – em ti, philippe

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Uma peça de teatro que é uma dança entre o teatro e a guerra. Uma companhia teatral leva a ilusão, o fingimento, a alienação, da vida, a vida, para a guerra. Na terra, há gente que não aceita que se viva, que se finja, que se brinque. Não naquele momento. Há gente que rejeita o teatro apenas por este permitir uma fuga à realidade. Mas esta fuga é falsa, é sempre falsa. Ninguém foge da espingarda do soldado nem do nervo de boi do carrasco. O teatro não impede, alivia. Não nas costas, não no rosto, não nos dentes, mas num lugar qualquer que ajuda a suportar isto da vida. Nesta dança, a guerra mata o teatro e o teatro mata a guerra. Mas nenhum dos dois morre. Philippe, o louco que confunde a realidade com as peças que já representou, é o único que, sendo ou não sendo louco – que definição é essa da loucura? – sobrevive a todas as vergastadas da guerra. Só morre quando leva uma rajada de metralhadora. (É difícil resistir a isso.) Todos os outros vão morrendo. Mesmo aqueles que inventam o que levam para o palco. No entanto, chegando ao fim, sobrevivem. Mas sempre morrendo. Talvez esteja a insistir nisto, mas senti isto mesmo, que todos vão morrendo, talvez, até, que todos já estejam mortos – os soldados por só matarem, as gentes da terra por não terem esperança, os actores do teatro ambulante por terem noção da morte que os cerca e por só terem a possibilidade de se refugiar na ilusão, no teatro, nunca se refugiando inteiramente, precisamente por ser ilusão, por ser teatro. Só Philippe, o louco – um dos actores da companhia – é que apenas vive, por não ter qualquer noção do que se passa – nem da guerra, nem do teatro. Só vive quem não tem noção? Talvez não. Talvez a noção da morte até ajude a viver. Mas todos lidam com ela, menos ele. Ele não sabe dela por também não saber da vida e, por efeito, por não saber da ilusão da vida. E é por isso que vive, que não se importa, que inventa, que confunde, que brinca, tudo sem intenção. Por não saber o que faz. Ele é assim e quem é assim, como ele é, vive e não vive, morre e não morre. Ele é o único que morre porque é o único que vive. «Quem és tu? Lear, se tu és Lear onde está a tua loucura?» Em ti, Philippe.

O TEATRO AMBULANTE CHOPALOVITCH
Texto: Lioubomir Simovitch | Encenação: Jorge Silva | Tradução: Rui Duarte | Interpretação: André Nunes, João Saboga, Mariana Lobo Vaz, Miguel Mateus, Marques D´Arede, Nuno Nunes, Patrícia André, Rita Godinho, Sara Azevedo, Sílvia Filipe, Sofia de Portugal e Victor Santos, Daniela Santos, Madalena Graça, Maria João Felino e Susy Ferreira | Cenografia: Rui Francisco | Figurinos: Maria Luiz | Desenho de Luz: Tasso Adamopoulos | Música: Afonso de Portugal e Rui Rebelo | Vídeo: José Ricardo Lopes | Fotografia: Luana Santos | Design Gráfico: João Rodrigues | Consultoria de Comunicação/Assessoria de Imprensa: Sofia Peralta | Direcção de Produção: Daniela Sampaio | Produção Executiva e Divulgação: Marco Trindade | Confecção de Guarda-Roupa: Teresa Louro | Construção Cenográfica: JSVC Decor | Operação Técnica: Gi Carvalho | Produção: Teatro dos Aloés 2023

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uma história infeliz

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Foi triste ver o senhor Ruy de Carvalho. Não por estar perto do fim, não por estar a perder faculdades, não por ter sido bonito. Foi triste porque o senhor Ruy de Carvalho não estava sozinho em palco. A história era dele, mas o protagonismo não foi. Com ele, a tentar ter o protagonismo que não era seu, Luís Pacheco, um actor que, mesmo não estando em personagem, nem sequer foi capaz de fingir que sabia estar ali, a fazer o que devia e não o que gostaria de fazer. Apenas precisava de ouvir, de puxar, de unir lembranças e conversas que o senhor Ruy tinha para contar. Não o soube fazer. Ou não o quis. E o que poderia, e prometia, ser uma bonita oportunidade para contar e interpretar acabou por ser uma história infeliz. O princípio e o fim, com o senhor Ruy de Carvalho sozinho em palco, foram os únicos momentos que se aproximaram (pouco) da sua história. Houve teatro, criação, fragilidade e coração. Apesar do truque vulgar das luzes e da canção, do texto fraquíssimo carregado de lugares-comuns e da fraca dicção, estava lá, apenas, o senhor Ruy de Carvalho. E isso, apesar de tudo, bastava para não ser uma merda – não lhe dando, no entanto, o estatuto que o teatro e o actor merecem. Mas foi. Assim que o palco foi partilhado, terminou o teatro e tudo o que se poderia, e deveria, dizer sobre ele. Entrou o incómodo, a vergonha alheia, a brejeirice, o embaraço, a aflição, a vaidade, a presunção, a falta de densidade e de noção, a futilidade. Em boa verdade, o título já dizia a qualidade da peça. A HISTÓRIA DEVIDA, brincando com DE VIDA, é algo que arrepia de tão preguiçoso e corriqueiro que é. Indigno de quem pretendia homenagear. Foi triste ver o senhor Ruy de Carvalho porque, apesar de não estar sozinho, é ele quem se mostra, por muito que outros se queiram mostrar. É ele quem dá o nome e o corpo a este espectáculo que deveria ser outra coisa que não aquilo que é e que pareceu, um insulto à sua vida e a tudo o que ela nos deu.

A HISTÓRIA DEVIDA
EM PALCO: Ruy de Carvalho e Luís Pacheco
TEXTO: Paulo Coelho
ENCENAÇÃO E ADAPTAÇÃO: Paulo Sousa Costa
PRODUÇÃO: Yellow Star Company

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uma noite e uma tarde

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Uma noite e uma tarde no Teatro da Comuna. Sozinha, com tanta gente ao lado, a Maria riu, cantou e chorou. E fez com que tanta gente tivesse rido, cantado e chorado – a toda esta gente eu só posso dizer obrigado. Eu, que apenas escrevi e ajudei a criar, ri, cantei e fartei-me de chorar. Culpa da Neide, Maria sem lugar.

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fausto, ninguém dança

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“Fausto” é uma peça de teatro que é uma peça de dança. Ninguém dança nesta peça. Mas tudo o que acontece não pode ter outra definição. Dança quem representa, quem entra e sai, dança quem nem sequer tenta, quem vai andando por ali à procura do seu papel na plateia que não há, porque apenas há palco. E todos dançamos como se fôssemos todas as personagens que ali estão. Ninguém dança, é tudo invenção. Mas acreditamos que sim, que dançamos – toda a gente. Culpa e talento de quem nos faz dançar. O Diabo não existe. O Hugo só existe com ele. Não poderia ser outro a vestir-lhe a carne – a que anda, a que corre, a que sorri, a que ri, a que grita, a que fala, a que canta, a que sussurra, a que range, a que beija, a que morde, a que desaparece. “Fausto” tem arte em muitos lugares e em muitas pessoas. O Hugo, sendo este Diabo que não existe, é arte de todos os lugares e de todas as pessoas. Pelo meio de todos eles e de todas elas, lá vai dançando e lá vai fazendo dançar como se esta dança da representação fosse, para ele, uma infantil forma de brincar. O Hugo agarra toda a gente pela boca e não deixa ninguém respirar ao longo de toda a peça. Ele é personagem de dentro e é personagem de fora, de quem representa e de quem não. É uma espécie de encenador em pontas que vai dizendo o que devemos fazer, pensar, temer e venerar. O Diabo não existe e poderia ser outra pessoa, como é em todas as outras representações de “Fausto”. Mas, quando o Hugo dança, ninguém sabe dançar.

| “Fausto”, no Teatro da Comuna. Texto de Goethe, com adaptação e direcção de João Mota. Interpretação de Hugo Franco, Carlos Paulo, Rogério Vale, Luís Garcia, Miguel Sermão, Gonçalo Botelho, Francisco Pereira de Almeida, Ana Lúcia Palminha e Patrícia Fonseca. Cenografia de Renato Godinho |

Fotografia: Bruno Simão

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nada a não ser ver sofrer

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Não decorei o texto. Não subi a palco. Não representei. Não tenho como agradecer à Neide, que fez tudo isto por uma personagem que eu apenas escrevi. Não fiz nada a não ser ver sofrer, sofrendo também. Custou-me a antecipação das luzes. Doeu-me a barriga. Tive prazer. Disse todas as palavras que a Maria disse. Fiz todas as marcações que a Neide fez. Fui o que ela foi. Estive onde elas estiveram. Ver a Maria viva, real, criada pelo nervo e pelo corpo da Neide, foi de uma estranheza tão assustadora quanto bonita. Como ela é. Como elas são. As duas. E toda a gente que encheu a sala. Não tenho como agradecer a ninguém. Ela sem lugar, e eu sem palavras.

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é a maria, e a maria sou eu

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A Neide é a Maria, e a Maria sou eu – eu sou sempre o que escrevo, e a Neide é sempre o que ela quiser. Ela pediu-me palavras, eu escrevi Maria. Sem lugar.

MARIA SEM LUGAR
Teatro, Monólogo
25 de Março, 21h
Auditório Municipal Padre Bento da Guia, Moimenta da Beira

Sinopse: Maria não tem lugar porque não sabe que lugar é o seu. Maria tem dúvidas sobre o que é e sobre o que quer, mas tem certezas de que o seu lugar nunca é o lugar onde ela está. Ao longo de 40 minutos, Maria desabafa a sua normalidade que tanto parece anormal aos olhos do mundo segmentado e polarizado dos dias de hoje. Uma mulher e algumas palavras num palco que, naturalmente, também não sente como seu.

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génio e sombra de génio

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Hipólito, Fedra, Teseu, pouco importa. Poderia ser João, Maria, Manuel. Importa a culpa. Só ela, sempre ela, do princípio ao fim da peça, do princípio ao depois do fim das personagens. A culpa assumida por Fedra por estar apaixonada por quem não deveria estar, a culpa atirada a Hipólito por não venerar uma deusa que deveria venerar e por desejar uma humana que nunca desejou e nunca teve, a culpa escondida de Teseu por ter condenado à morte quem não merecia morrer. Fedra escolhe a morte, Hipólito rende-se a ela, Teseu morre deixando-se viver. Há palavras e gestos que não são deste tempo, tal como há génio e sombra de génio que não deveriam existir no mesmo palco. E isso importa, apesar de tudo. E tudo é culpa. Não deixando de ser teatro.

| “Hipólito”, pela Companhia de Teatro de Almada, no Teatro Municipal Joaquim Benite. Texto de Eurípides, encenação de Rogério de Carvalho, interpretação de Carolina Dominguez, Cláudio da Silva, Elsa Valentim, Joana Francampos, Marques Arede, Miguel Eloy, Pedro Fiuza, Sofia Correia e Teresa Gafeira |

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ensaio sobre a despedida

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O Jardim das Cerejeiras, de Tchekhov, é um ensaio sobre a despedida. Tudo o que está em palco, que é cenário e que é personagem, está a dizer adeus. Tudo diz adeus a tudo. A personagens, a lugares e a si mesmo. E a peça mais não é do que esse processo de abandono, de partida. Diz-se adeus a uma casa, a um jardim, a uma terra, a um armário, a dinheiro, mas também se diz adeus a uma governanta, a um mordomo, a uma família, a um amor e, dizendo adeus a tudo isto, diz-se adeus à memória. E o regresso que é gatilho desta peça para esta despedida é mais doloroso por um outro adeus que ainda custa a dizer – por não se saber dizer, o adeus a um filho, que vai existindo como um ruído de fundo que vai encaminhando o mundo de cada um para um fim esperado. Há crítica social, lutas de classes, futilidade cultural e outras irrelevâncias que, claro, pouco importam para isto. Esta peça é sobre despedida e sobre o doloroso dever de a viver. Entre poucas dolorosas interpretações – pedinchando dinheiro e desfilando espingardas, sobressaíram as de quem já anda nisto há uma vida e as de quem, não andando, parece que sim. Felizmente, há actores que estão e que conseguem ser aquilo que querem parecer, sendo aquilo que o teatro deve ser, vida. Mesmo sendo, tantas vezes, um ensaio sobre a despedida.

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parou, deixou de ser

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Fui ver uma peça de teatro, mas não a vi até ao fim. Um actor sentiu-se mal, e a peça acabou. O actor está melhor, e o personagem parou, deixou de ser. Perdeu, naquele momento, o coração que lhe dava vida além do guião, o actor. E ele, o personagem, sem órgão muscular, vai estando com a vida parada até à vida do actor voltar. É um gesto de amor dar a vida para que outra exista também. E o actor lá vai existindo sem saber bem qual é a sua. Representa uma e outra ou não representa nenhuma? Alguma delas é assim tão nua que dispense representação? Ou são as duas, despidas ou vestidas, que fazem delas o que elas são e do trabalho do actor um trabalho em vão? Para mim, ver uma peça de teatro é ver a duplicar. É ver actor e personagem cada um na sua vida, e ficar sempre sem saber se uma despedida impede alguma vida de voltar.

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a repetição das coisas boas

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Foi mais do mesmo. E ainda bem, que a repetição das coisas boas faz bem e quase ninguém as faz – mesmo não sendo exactamente repetição. Cada palavra e cada gesto são improvisação, mas tudo é feito com o talento que se repete em cada palco onde eles estão. Eles são o César, o Carlos e o Gustavo. Com eles, o Guilherme, o Jaume e o Nuno. Todos são tudo o que um espectáculo deve ser: arte. E, apesar do espalhafato de caixas e luzes, o que há em palco é apenas vazio, invenção, regresso à infância pelo caminho mais simples e mais bonito, o da imaginação. Agora ele era um pescador, e há barco e há mar. Agora ele era uma beata, e há deus e há sacristia. Agora ele era um cão, e há cauda e há chão. E, sendo tudo o que imaginam, havendo tudo o que não existe, levam a gente dali para fora para um lugar que, de tão alegre, chega a roçar o triste sem chegar a ser tristeza. É uma espécie de beleza melancólica que, de tanto nos fazer rir, nos aproxima do que somos: crianças com o talento mágico de ver quem não está e o que não há. E isso faz-nos sentir. Não apenas rir.

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a margem do tempo

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Uma peça de cinco minutos que demora sessenta. Uma pessoa em duas personagens. Uma velha, uma nova. Vivem pela casa e não se cruzam. A velha vê a nova, vendo a lembrança do que foi. A nova sente a velha, sentindo o que será. Não há palavras ditas e todas as que há estão nas que imaginamos pela tremenda seca que a peça causa em quem a vê e tenta compreender. A verdade é que a peça vê-se e compreende-se nos primeiros cinco minutos. Tudo o resto é desnecessário. Há música a acompanhar o desnecessário, música perfeitamente em linha com ele: inquieta ao início (primeiros dois minutos e meio), reveladora durante (segundos dois minutos e meio) e repetitiva no fim (últimos cinquenta e cinco minutos). Todos os (poucos) momentos que aproximam personagens e público são criados, apenas, pela música e pela luz. Sem música e sem luz, esta peça não seria teatro – o que significa que esta peça, se fosse apenas teatro, não seria teatro. É uma pena ver uma actriz como a Eunice fazer isto, mas também acaba por ser bonito – há uma espécie de beleza na decadência da peça que, por qualquer razão, vai bem com ela. A neta está lá e parece-me que o que faz faz bem. A peça, como está, não dá para mais. Talvez porque não seja uma peça, mas sim um exercício teatral que tem mais cinquenta e cinco minutos do que aqueles que deveria ter.

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os movimentos do ego

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Fui ver. O Ruben toca, a Daniela canta e o Rodrigo estraga. O Ruben e a Daniela interpretam letras do Rodrigo. O Ruben e a Daniela são uma espécie de Chopin a musicar cocó. O Ruben e a Daniela são o Anthony Hopkins a recitar O Prédio do Vasco. O Ruben e a Daniela estão na sombra do Rodrigo. O Rodrigo é o sol que neles faz sombra e que nas palavras faz cancro. O Rodrigo não sabe estar em palco. Não sabe onde pôr as mãos nem o ego, então, mete-os em todo o lado. Nos bolsos, na cara, na postura e no desprezo com que interpreta, haha, “interpreta” aquilo que escreveu. Ele lê, ele canta – porquê?, ele faz movimentos com os braços imaginando ser Hamlet sendo João Baião. Ele é ridículo, não ao ponto de dar a volta e ser bom, como é o caso das coisas muito más, mas ao ponto de ser muito mau, não dando volta nenhuma porque não há volta a dar naquele vazio, como é caso das coisas que não chegam a ser coisa alguma. O amontoado de letras a que o Rodrigo chama de poesia é isso mesmo, um amontoado de letras a que o Rodrigo chama de poesia. Mais ninguém chama, só ele. E é só ele em palco. O Ruben e a Daniela lá estão e lá sorriem com a clara vergonha de quem chafurda em hemorróidas, e tentam ser Midas, mas não conseguem, coitados, não são mágicos e o Rodrigo não é poeta. Nem escritor. Nem actor. Nem intérprete. O Rodrigo queria ser tudo isso, é o que os movimentos do ego dizem a quem os vê, mas o Rodrigo não é. E ele não vê. Fala do amor, da depressão, da violência doméstica, dos maus-tratos aos animais, mas não fala de nada disso. Quando grunhe, vomita clichês linguísticos e conceptuais que envergonham, desculpem, eu falei em cocó?, cocó é génio! Agora é sobre amor entre duas pessoas, uau, incrível, Rodrigo, e, agora, o que é esse amor? Ele não sabe e, como não sabe, escreve e vai para palco “interpretar” e “cantar” – porquê? – o que escreveu. Falou dos seus livros, da sua exposição pública, das suas lutas e de tudo o que não interessa num espectáculo que não é sobre ele. Se fosse, seria perfeito. E o Ruben e a Daniela não estariam ali a fazer nada. Seria Rodrigo como ele foi e como ele gosta, não sendo, de ser: o país e o mundo.

RUGE

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todas as coisas maravilhosas

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Vi a minha vida dita por ele. Vi eu e toda a gente, que toda a gente sente o que se disse, se cantou, se ouviu, se chorou. Se não fosse verdade, bonita e feia como deve ser, alegre e triste como se vê, não teria chorado com vontade, e eu chorei, toda a gente chorou. Porquê? E riu, que a vida é bela e tem canções, pessoas aos trambolhões, gelados! Mas chorou, que a vida dela era depressões, pessoa às desilusões por todos os lados. Esta peça – que não é peça, que é teatro e que, por isso, é vida – sou eu, também. Já alguém ponderou a morte? Decidida. Sou forte, por sorte ainda ninguém disse é a vida, morreu. E a felicidade, doutor? Será ela verdade? Nunca lhe tive vontade, só horror, temor, terror, nem amor. Serei alguma vez o que escrevi? Coisas maravilhosas que acho da vida, que vi, toquei, cheirei, comi, mas que, em papel, não existem… Nem sei qual é o meu, nem sei sequer quem sou eu, não quero ser dos que desistem. Não sou. Por isso, vou. E o meu cão também lá estava, centro da vida, vida que escava, e escavei eu, ainda escavo, ao ouvir o Palma e a Regina e tudo o que… Bravo! Bravo! Aplausos de toda a gente a toda a gente que viu a vida dita por ele. Disse a minha, também. Ali, inteiramente sozinha. Sem. Querida, bondosa, moída, chorosa. Que ela não desista, que nela há uma lista com esta peça – que não é peça, que é teatro e que, por isso, é vida -, coisa maravilhosa.

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passos em volta

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A poesia tem forma. Braços, bocas, pernas, costelas, línguas, pés, cabelos, dentes. A poesia tem forma. E transforma e transgride e transporta a vida para as veias e vozes e vazios de quem a morde, trinca, saboreia e engole. O Herberto Helder fez poesia. O João, o Duarte, o David e a Beatriz deram-lhe forma. Materializaram-na, deram-lhe um corpo que ela usou que era o seu mas que não era. Era dela, claramente. Às escuras, aos saltos, às danças, às merdas puras que têm só quem sente. O João foi riso e verdade. O Duarte foi corpo, arte e loucura. O David foi puta, crueldade. A Beatriz foi, mesmo calada, apenas dançando sem voz, o grito aflitivo do nada, a vida quieta dançada, foi todos nós. Só agora voltei a ter respiração. Sinto que estive morto a viver. Quieto, no meu lugar. Corre-me o coração. A poesia também é ser. A forma é o seu estar.

“Passos em Volta”, encenação de João Garcia Miguel.

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o futuro próximo

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Lisboa, Teatro Nacional D. Maria II, ano três mil e tal, pelo menos, pelo que se mostrava em palco. Personagens anestesiadas de vida à procura da morte. É isto que se passa nesta peça que vai do nojo à poesia, do transe ao osso. Este Futuro Próximo é uma bizzaria que nos desconcerta do princípio ao fim da história (que nem é o princípio nem o fim da história toda). Há riso, choro, merda, amor, ilusão, melodia, repulsa e morte. Há muito de entranhas nesta peça futurista que, na sua essência, nos fala de nós e da nossa relação com os outros – mas mais ainda da nossa relação connosco. Lisboa, Teatro Nacional D. Maria II, dois mil e dezanove.

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simone

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“Simone, o Musical” deveria ser apenas “Simone”. Tudo o resto é acessório, clichê e fraco.

Não é musical porque as músicas não foram músicas graças às palavras que não se ouviam e às guitarras, ao piano e à bateria que quase se faziam ouvir mais do que o ridículo que se ouvia. Não é peça de teatro porque o teatro que há não o chega a ser, por tão primário de guião, tão mau revisteiro de representação e tão incoerente de cenário. Nem sequer é Simone porque Simone não é aquilo rodeado por aquilo que estava em palco. “Simone, o Musical” deveria ser apenas “Simone”. Só ela. Sem palavras vulgares, personagens vazias ou emoções mal amanhadas.

A única coisa que se aproxima do teatro em si é o que se diz antes de se pisar o palco e que, neste caso, reflecte, na perfeição, o que mais há neste “musical”: muita merda.

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as árvores morrem de pé

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Vi o Ruy de Carvalho e a Manuela Maria. Vi o Carlos Paulo. Vi a Patrícia Resende. Vi todos eles e vi todos os que cada um deles é.

Devia haver cada um deles em cada um de nós. Devia haver teatro em cada teatro que cada um de nós é. Devia haver um teatro de família, a que fôssemos chamados regularmente para ver do nosso estado de saúde. Devia haver um INEM do teatro para quem se sentisse doente. Devia rezar-se ao teatro de cada vez que cada um de nós morresse. Devia tocar para dentro todas as manhãs para dizermos bom dia aos actores e nos sentarmos no nosso lugar atentos à aula de vida. Devia haver um teatro de embalar para nos adormecer todas as noites. Devia ser obrigatório bebermos um litro e meio de teatro todos os dias. Devia haver um banco alimentar contra a fome de quem não vai ao teatro, para ajudar quem não o tem. Devia cair teatro em vez de chuva. Devia brilhar teatro em vez de sol. Devia substituir-se o bom dia, o boa tarde e o boa noite por teatro, teatro e teatro. Devia deitar-se abaixo as paredes do teatro para que o teatro fosse a rua inteira. Devia haver baloiços de teatro e escorregas de teatro para as crianças. Devia jogar-se ao teatro nas mesas dos reformados. Devia ser teatro a maternidade e ser teatro o cemitério. As casas deviam passar a chamar-se camarins e os jardins boca de cena. Tudo o resto seria tábuas e adereços. A noite podia ser a cortina vermelha. O dia seria o resto. O lugar de cada um seria o lugar onde cada um estivesse. A peça era a que cada um quisesse. Mas tudo seria teatro. E havia silêncio e caos e sonho e dor e vida e morte e foda e nojo e riso e mar e céu e terra e cama e amor.

E havia teatro.

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quase normal

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Quase Normal é uma peça de teatro musical que não chega a ser quase peça de teatro nem quase musical.

Quase Normal é algo – não sei bem o quê – que faz com que olhemos para os actores como quase actores. Quase Normal fala de bipolaridade e de esquizofrenia, diz na apresentação. Na verdade – na sofrível e disparatada verdade da existência desta “peça” – Quase Normal pouco fala, muito canta, nada diz. Diz-se-lhes os nomes, chora-se muito, ri-se muito, há espalhafato e clichês que nem são nossos, mas tudo o que diz é verniz e ignorância num palco que deveria ser pisado para se fazer e mostrar arte. Nem chega a ser quase arte. É quase uma merda. Quase – nem ascende a tal.

Há presença ridícula em palco e vergonha alheia na plateia. As interpretações são assustadoras de tão vulgares e a adaptação do guião é angustiante de tão medíocre. Os momentos musicais deveriam ser condenados à cadeia – é crime tratar a música e a língua portuguesa desta forma.

Quase Normal está em cena, no Teatro da Trindade, a ocupar o espaço da arte. E a embaraçar o público que vai convencido de que, pelo menos, isto possa ser quase razoável. O problema é que nem chega a ser quase merda.

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actores

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Eles são eles e outros e eles outra vez, nunca deixando de ser quem são: pessoas e actores. Nós somos constantemente nós e outros, pela repetida dúvida que nos inquieta o entendimento. Há teatro e não há, assumindo que é possível desligar o teatro da vida. Não é. Mas eles fazem-nos crer que sim. E depois que não. Dúvida, coisa maravilhosa nisto do teatro. Da vida.

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mundo distante

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“Mundo Distante” está tão perto que nos chega a incomodar. Esta peça, escrita pelo meu amigo Nuno Costa Santos e interpretada pelo Eduardo Frazão e pelo Manuel Coelho é, essencialmente, realidade. É quase afronta ao teatro, à representação, ao ensaio, à invenção. É realidade, ponto final. E a realidade tem silêncios e asneiras e palavras e coisas inteiras que se arrastam entre as pessoas, tem internet e desemprego e poesia e muito pouco aconchego. Teatro que é realidade que não é teatro. É o que é.

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antónio e maria

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Há uma coisa no teatro que é mais do que a sua representação. Chama-se vida. E a que houve ontem viveu-me mais do que muitas outras tantas já me viveram.

Não era a Maria nem o António que estavam em corpo e letras, todo e todas em génio, no palco do Meridional. Era a vida de cada um deles, dissecada e cortada a sangue frio e servida a alma quente a toda aquela gente que viveu comigo. Era também a nossa vida que ali estava. Era, essencialmente, a nossa vida que ali estava.

Chorei o tempo inteiro. Como uma criança das pequenas ou das grandes, que isto deste choro não tem idade, que isto deste choro só tem uma coisa, e essa coisa chama-se vida, que é outro nome para a verdade.

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avenida q

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São espelhos. Do que somos e do que temos. Do que fomos e do que queremos. Do que sentimos e do que fingimos. Não são bonecos. São memórias. Fortes e felizes. Antigas e futuras. Fofinhas e repugnantes.

Não são bonecos. São gente. Com tomates e sonhos. Com mamas e alma. Com tripas e coração. Não são bonecos. São vida sem merdas nem paninhos quentes nem frios nem mornos. São vida sem merdas e sem paninhos. São infância nua e adolescência crua. São renda para pagar e sonhos para destruir. São paixões, poetas, canções, punhetas, gemidos, ofensas, grunhidos, crenças, realidade, humor e, acima de tudo, verdade e amor. Tudo em corpo e voz.

Não são bonecos. Somos nós.

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sem filtro

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Fui ver a Ana Bola ao Teatro Villaret. Foi ontem e foi único. A minha admiração por ela vem de longe. Pela diferença, pela inteligência, pela ousadia. Pelo talento. Ontem, nada mudou. De longe se fez perto. E tudo se manteve. A diferença, a inteligência, a ousadia. O talento. Ontem, a Ana Bola sentiu e fez sentir. Fez das tábuas sentimento e das palavras sofrimento. Fez danças, piruetas, contou histórias, cantou letras. Fez ouvir a sua voz, que é a nossa, mas calada. Disse o que não dizemos nós, falou tudo, não calou nada. Foi ao estômago das emoções, fez das tripas corações e lançou-os pelo ar. Gritou homens e mulheres, pôs a vida em tupperwares e fez rir para não chorar. Fui ver a Ana Bola ao Villaret. Foi ontem e deveria ser para sempre.

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