santinho
Ó meu rico santinho,
não me leves a dançar,
que eu só danço sozinho
comigo a acompanhar.
Ó meu rico santinho,
isso não é bem verdade.
Eu só danço sozinho
se for eu pela metade.
Ó meu rico santinho,
talvez seja confusão,
mas eu só danço sozinho
se alguém me disser que não.
um dia
Um dia não são dias.
Todos os dias não são um.
Quantos serão todos os dias
quando não sobrar nenhum?
força
Que força tenho
para deixar de ser eu
para passar a ser
um estranho?
Não sei se consigo.
Se deixo de ser eu,
deixarei de estar comigo?
Mas força é fraqueza
por ser mudança.
Sou incerteza
que em mim balança.
a noite
A noite calada
só faz barulho.
Mais nada.
baloiço
Lembro-me de ser criança,
de brincar tão entretido
num baloiço que já não balança
porque agora está partido.
da janela
da janela vejo a lua vejo a rua vejo-a nua
vejo ela e ela ali e ela a mim e ela assim
sem mim sem ela
abril
Pergunto ao vento que passa
Somos livres de sonhar
pelos cornos da desgraça
de combater a cantar?
Mapa do mundo distante,
dirão canção de liberdade…
Do nosso corpo mais adiante,
em cada rosto, igualdade.
se vejo, magoa
Se vejo, magoa.
Se não, também.
É dor que atraiçoa,
é dor que vem
assim de mansinho
(se fosse promessa…),
devagarinho,
tão depressa!
E eu sem saber
lidar com o jeito
de a ter a bater
cá dentro do peito.
Como se faz?
Devo lutar?
Fugir? Ir atrás?
Ou só não ligar?
Mas a dor arranha
– ela sabe andar nisto.
Tem aquela manha,
mas eu não desisto.
Ou só digo que não
para não me dizer
que sou contrafacção
do que quero parecer?
Mas parece que sim,
que até tenho vontade
de ser, para mim,
o que sou de verdade.
Qualquer coisa que luta,
à procura de si.
Mas a dor, essa puta,
magoa e sorri.
Doce e amarga,
como na poesia.
Ela não me larga,
e eu bem queria.
Se vejo, magoa.
Se não, também.
Até já enjoa
não estar nada bem.
o inferno não sou eu
O inferno não sou eu,
é o outro que me vê.
Mas se o olhar não é meu,
é de quem? É o quê?
Será sempre de alguém
fora de mim?
Ou será de ninguém
e eu é que penso que sim?
Talvez não seja nada.
Talvez não seja preciso
inventar-me uma morada.
O inferno não sou eu,
muito menos paraíso.
quem sou eu se eu não sou
Quem sou eu
se eu não sou o outro
que é igual a mim?
Direi que sou eu
só por ser eu,
só porque sim?
Ou direi que sou o outro,
mesmo sem razão?
Quem me diz
que o outro não sou eu?
Sou? São?
O outro são tantos
que eu não poderia ser
mais do que um.
Se não sou todos,
quantos sou eu?
Serei nenhum?
a que sabe um beijo
a vinho
a cigarro
a carinho
a escarro
a sopa de feijão
a qualquer coisa da moda
a cão
a foda
a pastilha
a caracol
a ervilha
a sol
a sonho
a solidão
a bafo medonho
a bocado de pão
a menta
a couve
a tudo o que se inventa
a tudo o que houve
a jesus cristo
a quem acredita em shiva
a xisto
a saliva
a vão de escada
a versos e prosas
a nada
nunca a rosas
parece que sou um rio
Tudo fica vazio.
Nada acontece.
Parece
que sou um rio
que, num instante,
desaparece.
E os peixinhos
cá dentro a saltitar,
todos juntos, sozinhos,
sem respirar.
Sou um rio
de vazio
a transbordar.
em vez de coração
Raramente
vejo o que
realmente
importa.
Sou uma visão
que, em vez de coração,
vê não.
Sou uma visão
morta.
quis saber quem sou
quis saber quem sou
e ainda hoje não sei
andei por onde vou
ainda não me encontrei
asas de vento
coração de mar
eu bem tento
não me consigo encontrar
o povo é quem mais ordena
mas onde está? que não o vejo
eu não sou coisa pequena
sou desejo
o mundo pula e avança
para onde? a que preço?
fui vontade de criança
já não me conheço
estamos na praça da primavera
alguém me grita de algum lado
serei eu aquilo que era
ou serei eu grito calado?
tudo depende da bala
e da pontaria
da cantiga que me embala
cala a noite finge o dia
torna tudo mais urgente
não saber que nome tenho
se o caminho é em frente
por que venho?
pergunto ao vento que passa
se ele por acaso sabe
é nome de bala e de graça
liberdade
nenhum medo era meu
Perdi todos os medos que tinha
porque nenhum medo era meu.
Cada medo que vinha
não era medo,
era eu.
(Nem a cobardia era minha.
Foi ela que me perdeu.)
encontrando ausência
Podia ir lá para fora,
mas não vou.
Mas parece que estou lá agora,
mas não estou.
Como se fosse
sem sair daqui.
Fui eu que me trouxe
ou fui eu que me fugi?
Como se estivesse
num e noutro lugar
e não pudesse
lá estar.
Sou assim
em permanência,
procurando por mim,
encontrando ausência.
se um dia a juventude
Se um dia a juventude voltasse
e me dissesse «voltei»,
talvez eu a olhasse,
a despisse, a beijasse
e ficasse onde fiquei.
Ela veio e eu falei
com ela como se fosse
uma conversa vulgar.
Ela voltou e só trouxe
o que eu sabia lembrar.
Tudo o resto ficou
lá no lugar do passado
onde também está quem eu sou
e não só o lembrado.
Que lembrança ficou de mim,
desta lembrança que agora
me deixa perto do fim
por ouvir «fui embora»?
a obrigação da felicidade
Sou obrigado
a ser feliz.
Toda a gente,
em todo o lado,
me diz
que tenho a obrigação
da felicidade.
Eu acho que não,
que não tenho obrigação
de nada,
muito menos
dessa coisa inventada.
Não tenho de a ter
nem de a procurar.
Mas até que gostava,
assim sem a saber,
de a encontrar.
tantos que são ninguém
Tantos que são
ninguém.
Quem?
Eu não.
ai que linda que é a vida
ai que linda que é a vida
coisa linda de se ver
ora alegre ora sofrida
ora como tem de ser
ai que linda que é a vida
quando ainda só começa
mas lá vem a despedida
e lá vai a vida à pressa
ai que linda que é a vida
das birras do coração
será mesmo linda a vida?
talvez não
ai que linda que é a vida
coisa linda pelo fim
será morte a própria vida?
talvez sim
ai que linda que é a vida
coisa linda de dizer
quem me dera saber a vida
mas eu não a sei viver
não é de
amor
não é de amor
nem de saudade
não é de asma
nem de vaidade
não é de apneia
nem de ilusão
não é de um mal
nem de hipertensão
não é de bullying
nem de rinite
não é de falta
de apetite
não é de gota
nem de alergia
não é de culpa
nem de apatia
não é de orgulho
nem de indiferença
não é de nenhuma
doença
não é de medo
do escuro
eu sofro de passado
e de futuro
tudo isso que não há
Como se cala o que não aconteceu, o que nem sequer existiu? Toda essa inexistência me grita aos empurrões. Tudo isso que não há, mas que eu oiço e que eu sinto e que eu tento calar e que eu tento parar e que eu não consigo. Tudo isso não me pára de gritar. Nada aconteceu. Nem eu comigo.
ó minha coisa tão boa
ó minha coisa tão boa
sei lá eu por que fugiste
deixando esta pessoa
assim tão triste
já procurei nos lugares
que partilhámos felizes
e além de não estares
só encontrei raízes
foi por tua vontade?
foi alguém que te levou?
é que eu já sinto saudade
nem sei bem onde estou
se foi por culpa minha
manda uma carta ou assim
que esta vida sozinha
não é para mim
prefiro não estar aqui
à espera sei lá de quem
dizem todos que é de ti
talvez seja de ninguém
mas ao que tudo parece
já foste e nem um adeus
e agora quem te esquece
se todos os tempos são teus?
só me resta esperar
mesmo sendo uma ilusão
de que esse preciso lugar
tenha acordo de extradição
vem cá
vem cá dar-me um bocadinho
daquilo que tens guardado
que eu não consigo sozinho
ter o que está desse lado
tens que ser tu a trazer
não custa nada, anda lá
que eu tenho esta mão a doer
e a outra também está
vem agora, mas devagar
para eu ver com atenção
o teu jeitinho ao chegar
perto do meu coração
mas não te chegues tão perto
que ele não lida tão bem
com o batimento incerto
que o teu coração tem
diz que perde a cadência
que fica tonto e perdido
ao sentir a iminência
de voltar a ser partido
por isso é melhor não vires
deixa guardado o que é teu
que o coração que partires
está sem guarda e é meu
não tenho de nada
não tenho de ir
posso ficar
que ao ficar
não deixo de existir
não tenho obrigação
da praia ou da esplanada
posso dizer que não
não tenho de nada
não há pessoa ou lugar
onde deveria estar
e não estou
o que me grita para sair
é o medo a rugir
a ansiedade a ladrar
por isso permaneço
não vou
que se for só pareço
quem não sou
aflito em permanência
tenho dias em que não estou
em que tudo o que sou
é ausência
fujo dos outros que me estão
corro para o meu chão
e nele habito
aflito
em permanência
e gostando odeio lá estar
odiando ando sem ar
e cavo fundo
a terra cai-me no ego
das lembranças que carrego
devagarinho
e eu sozinho
no mundo
o dia é da rua
o dia é da rua
da festa
da canção
a noite é da lua
do que resta
do coração
não quero voltar
não quero voltar
porque não posso
é a melhor forma
de não querer
seguir a norma
do não poder
até ao osso
sabendo o que serei
não sei o que escrever
e não sabendo
sei mais do que o que escrevo
que escrevendo
vou tendo
uma forma de mostrar
que afinal sei
e que a arte de esconder
eu não a tenho
que escondendo
até a mostro a um estranho
que não sabe
sabendo
o que serei
nem corpo nem coração
nem corpo nem coração
nem foda nem paixão
nem sonho nem saudade
não
intimidade
é embalar a solidão
antes e depois do abandono
intimidade
se houver explicação
é qualquer coisa
como partilhar o sono
se não fico por ir
quero sair
não sei se quero
se saio
desespero
se não
fico por ir
ficando sem saber
saindo sem querer
sendo a suar
tendo a cansar
rindo a sofrer
indo a ficar
ficando a andar
sem me mexer
da ternura que não vejo
olhar
de desprezo
sou assim
não me olho
de outra forma
que não fim
à procura
da ternura
que não vejo
em mim
escrever
é difícil escrever
sei o que quero
dizer
mas desespero
por não saber
transmitir
o que dentro tenho
a ganir
como se eu fosse um estranho
onde me entranho
e de onde me custa sair
na verdade é isso que me assusta
ter tanta vontade de entrar
entranhando
que eventualmente
entrando
acabarei por ficar
sem saber distinguir
o que estou a pensar
do que estou a sentir
por enquanto
apesar de tanto
ainda consigo
e se calhar
este medo de não conseguir
transmitir
o que dentro tenho
a ganir
é só o medo a existir
se eu acabei de escrever
só não sei se entrei
e se entrando fiquei
cá dentro a viver
ele ri-se, ele não se chora
Ele ri-se, ele não se chora.
O que é estranho
porque, de onde venho,
chorar é para dentro, e demora.
Deveria ser ele chora-se, que é ser-se,
e ele ri, que rir é oferecer-se,
é para fora.
a lembrança
quando ela vem
– mesmo que esperada –
leva tudo o que nos tem
e nós ficamos sem
nada
só a lembrança permanece
– mesmo que esbatida –
tudo o resto desaparece
e logo adormece
a vida
de todos os que são teus
dói dizer a realidade
além da lembrança, saudade
adeus.
sei que estás
sei que estás
que me lês
e eu peço que não vás
sou ainda o que tu vês
sabes que estou
que te leio
não me peças, eu vou
tu bem vês que eu anseio
pernas caladas
Pernas caladas, seguras, paradas,
olhadas, maduras, beijadas,
ausentes, insanas, carentes,
presentes, mundanas, doentes,
amadas, infindas, suadas,
dançadas, bem-vindas, sonhadas,
sozinhas, quietas, rainhas,
mindinhas, poetas, branquinhas,
vincadas, mordidas, tocadas,
voadas, perdidas, achadas,
imensas, poucas, intensas,
doenças, loucas, sentenças,
deitadas, violentas, cruzadas,
aguadas, sedentas, blindadas,
vividas, breves, sofridas,
sentidas, leves, fodidas.
Pernas legendadas de palavras banais,
pernas caladas que falam demais.
é urgente
é urgente
pássaros que não caibam em gaiolas
corpos que não caibam em caixões
mortes que não caibam em pistolas
cravos que não caibam em espingardas
mãos que não caibam em esmolas
notas que não caibam em carteiras
sonhos que não caibam em lembranças
brinquedos que não caibam em crianças
palavras que não caibam em dicionários
gritos que não caibam em paredes
cravos que não caibam em lapelas
cores que não caibam em aguarelas
olhos que não caibam em janelas
cães que não caibam em trelas
fodas que não caibam em silêncios
vidas que não caibam em orações
versos que não caibam em canções
na minha língua
Sei do seu sabor na minha língua,
do seu cheiro no meu corpo que tremia
(ainda treme ao saber da sua mão!)
que deu pele à sua boca que descia
e pecado ao meu ventre que sentia
o vir da pele direito ao coração.
São tão frágeis estas veias neste sangue,
foi tão cedo para ser tão ser aflito
que gemeu,
estremeceu
e morreu
ou virou grito.
Não sei se o que sinto ainda agora
é da fome que ela trazia presa à boca
e que, viva, na minha ainda mora
como coisa impaciente que demora…
Coisa maldita, doida tão louca!
Ou terá sido outra coisa que não digo?
Outra coisa que não a realidade?
Não sei, mas sei dela aqui comigo,
deitada no lençol desta saudade.
seios, peitos, belezas puras
Seios, peitos,
belezas puras,
seres tão perfeitos
em desventuras!
Chuchas, tetas,
sonhos de deus,
redondas setas subindo aos céus.
Montes serenos, montanhas nuas,
grandes, pequenos, paisagens tuas.
Lírios, marmelos, flores de jardim
que eu, só de vê-los, quero para mim.
Faróis que ferem aos meus gemidos,
bemóis que querem ser sustenidos.
Docinhos gomos na minha boca,
suores que fomos, e tu tão louca
que assim ficámos, de mão na mão.
Tanto suámos, que o coração
era dos dois, mas no teu peito,
antes, depois, de qualquer jeito,
bate mais forte, mais sem rodeios,
mais do que a morte, vejo os teus seios.
E eu, um pelintra (ou lá como me chamas)…
Tiras-me a pinta e eu beijo-te as mamas.
nem a certeza
Nem a certeza de não saber
eu tenho.
E, não a tendo,
não duvido, duvidando.
Não a digo, dizendo.
E só, só pensando
(ou lembrando o que já pensei),
duvido do caminho que, pisando,
me vai, da vida, levando
até perto do que não sei.
o poeta
O poeta é um sofredor,
sofre tão completamente
que chega a sofrer de amor
escrevendo aquilo que sente.
E os que pensam não ser verdade
o que ele está a transmitir
desconhecem a dualidade
que há no escrever-sentir.
E, assim, a roçar a dor,
viaja de mão em mão
a caneta do escritor
e o papel do coração.
quando há mundo
quando há mundo em tudo o que há
vivido, no fundo, do tempo que é pouco
mas parece infinito, tempo bastante
que vai perto do que é distante
mas, num instante, é já sufoco.
quando há mundo em cada detalhe
café, cerveja, alentejo, inferno
que na boca tem o mar
no fado, o teu olhar,
na dança, o não saber dançar
e tudo é terno.
quando há mundo em não ser mundo
quarto escuro, clandestino
praia sem nome, cama suada
vinho, noite passada
multiplicada pelo destino.
quando há mundo em tudo o que há
e tudo o que há nos engana
é lindo (embora ruim) quando há vezes
que deveriam (diz-se assim) durar tantos meses
mas que duram um fim-de-semana.
outra forma de chorar
Como se houvesse outra forma de chorar
que não escrevendo.
Pobre coitado do que pensa que chora
só por ter olhos molhados.
Pobre diabo do que no pranto se demora
só por ter lábios salgados.
Mesmo sofrendo,
gritando, gemendo,
sempre sendo o agora
que lhe demora a passar,
ele não chora,
ela não chora,
ninguém chora.
Ninguém sabe chorar.
Há mais sofrimento lá fora
em quem não derrama uma gota,
em quem não diz que sofre só por dizer que sabe sofrer,
em quem não tem nem sabe ter,
em quem luta sem saber por que lutar,
em quem sonha sem saber por que sonhar,
em quem se deita, se ergue e se arrasta,
em quem vive de alma seca e pele gasta,
em quem… basta!
Como se houvesse outra forma de chorar
que não escrevendo.
Ninguém chora,
ninguém sabe chorar.
Só quem escreve
(que esta coisa de chorar é mais que água,
é vida embrenhada pela mágoa
no silêncio de uma folha por falar).
às vezes, quase sempre
Às vezes, quase sempre,
todas as letras do mundo
me incendeiam o esqueleto.
Como hoje.
E, se não escrevo,
adeus,
tudo me foge.
o ser de ser pai
Simples palavra de homem que faz,
homem que lavra a palavra que traz.
Sangue nascido de punho cerrado,
ventre perdido de ser encontrado.
Corpo maduro de vida na mão,
leito seguro do novo embrião.
Sonhos cercados de sonhos na terra,
olhos chorados de balas na guerra.
Voz que ameaça, birra que passa.
Criança que chora, por dentro e por fora.
O riso demora, mas volta mais puro,
e o riso de agora é o som do futuro.
Homem, menino, velho, criança,
ferro do fel, fiel da balança.
Filho que é e não deixa de ser,
feto parido do ai da mulher.
Braço que embala o berço da cama,
voz que serena a voz que o chama.
Aparência da força que deve sentir,
decência que tem quando a tem que despir.
Início de tudo, semente de vida,
grito de mudo, de voz destemida.
Gestos de bruto, de tudo o que tem,
cabeça de puto, coração de mãe.
Hoje, amanhã, tudo o que for,
noite, manhã, único amor.
Silêncio que fica, palavra que vai,
o ser de sentir, o ser de ser pai.
lá se foi a vida
Era a morte chegar
e eu não dar por ela.
Chegar sem aviso,
sem ser preciso
nada que me apoquentasse.
Era ela vir num repente
e me levar,
fazendo-me ficar
aqui ausente.
Que ela viesse e me levasse
e que deixasse
– como sempre o faz –
a vastidão do que ela traz:
a crueza da sina decidida.
Era a morte chegar e… Zás!
Lá se foi a vida.
o gatilho para a crença
A morte é o gatilho
para a crença,
deus é o segredo
(apenas existe no medo),
nós somos a doença.
solidão, dá a patinha
não fala e, não falando,
não nos pode aconchegar
a dor de o ver partir,
não nos pode dizer
o que nos sente
porque, simplesmente,
não fala,
cala
e nós aqui a sentir
a dor de outras palavras
que julgamos ouvir
dos olhos que nos falam a ganir
e nos fazem chorar por ver os seus,
a vida volta a ser coisa sozinha,
solidão, dá a patinha
senta, deita… adeus.
ter dito companheira
Deixei cair o meu olhar no teu vestido
e senti o cheiro do teu cabelo,
fui a sítios aonde nunca tinha ido
e toquei o teu corpo só de vê-lo.
Descobri que eras feita de incertezas,
todas elas mais confusas do que a vida.
Dissolvi o meu corpo de impurezas
e desejei que fosse minha a despedida.
Mas, por obra do destino, tu voltaste
daquele sítio para onde tinhas ido
e, ao voltares, voltou tudo o que levaste
e eu voltei a despir o teu vestido.