não era fado-canção I
“Danças o bailinho, o corridinho e o malhão, valha ao menos isso para alegrar o coração”. Como se a noite fosse um dia inteiro. Tão lindo que era, tão puro que parecia mas, por puro que parecesse e por lindo que fosse, tinha amarrado ao coração o cabrão do fado. E tudo existia e tudo era triste e tudo era blá-blá-blá entre os pingos da chuva de uma dança, de um passo à frente, de um passo ao lado, de um sorriso que, de vez em quando, era preciso, mas que não era sorriso nem era estado. De toda a maneira, ouvia-se Dino Meira. E a felicidade, ou lá o que é essa coisa intermitente que nos sinaliza a vida, lá andava de mão em mão, de ombro em ombro, de anca em anca. Um aproximar de boca, um fugir de vinho, e ela louca, e ele, devagarinho, acompanhando a dança, e uma criança ou duas ou dezenas delas corriam pelo alcatrão, e ouviam-se beatas que tricotavam as vidas escondidas dos donos dos pés que pisavam o chão. Havia luz e escuridão, pipocas e fritos, bifanas e gritos, joões e joanas, sebastiões e anas e nomes que não rimavam, mas que eram nomes de crianças que corriam e brincavam e se escondiam na igreja e ouviam “beija, beija” e coravam e sorriam e beijavam a boca de cada um. A dela sabia a rosa e a dele, em poesia feita em prosa, sabia ao doce do algodão mas, no fundo, bem à flor dos dentes, sabiam as duas bocas às bocas pré-adolescentes com travo àquela coisa da paixão. Coisa mais linda, mais pura e mais mais que havia entre aqueles dois seres tão seres que não seriam mais.