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festas sado-maso em portugal

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A Penthouse recebeu um convite impossível de recusar: infiltrarmo-nos numa festa exclusiva de BDSM. Sim, exactamente o que está a pensar: sado-maso, chicotes e muito cabedal e latex à mistura. Nós contamos tudo o que vimos neste convívio inacessível ao comum dos mortais.

Sapatos pretos, calças pretas, camisa preta e casaco preto. Nem o Luís de Matos veste tanta roupa escura, mas foi esta a nossa indumentária para podermos estar presentes na festa BDSM que se realizou recentemente em Lisboa. Antes de abrirmos o portão enorme e pesado que dá acesso ao interior do recinto, vamos esclarecer o que é isso de BDSM. Esta sigla é composta pelas primeiras letras das seguintes palavras: bondage, disciplina, sadismo e masoquismo, um conjunto de padrões característicos do comportamento sexual do ser humano. O objectivo do BDSM é obter prazer sexual através de jogos de poder, que podem envolver dor, sacrifício, submissão, tortura ou cócegas, por exemplo. Para quem é muito tradicional no que ao sexo diz respeito, isto pode parecer muito estranho, mas aqui tudo é permitido. Desde que haja, obviamente, um pré- acordo mútuo entre os envolvidos. Damos esta explicação porque temos de admitir que também nós tivemos de nos informar sobre o que iríamos encontrar nesta festa. (Sim, caro leitor. É muito provável que perceba mais deste tema do que o tímido e curioso jornalista que aceitou este desafio.) Voltando à nossa festa, um corredor comprido e frio era tudo o que separava o portão da recepção. Três pessoas estavam à volta de uma mesa pequena, improvisada, com um bloco de bilhetes, vários panfletos da festa, uma caixa registadora e uma máquina portátil de multibanco. Uma mulher de cabedal, perfeitamente “equipada para o jogo”; as outras duas igualmente a preceito, mas com roupas mais discretas, que não impedem o uso abusivo de decotes. A noite ainda mal tinha começado e o staff ultimava alguns pormenores: luzes, música, bar, quiosque, esplanada… Pagámos o nosso bilhete e entrámos.

Um casal com uma filha entrou connosco. Ele, mais de 50 anos, baixo, de cabelo branco puxado para trás e uma barriga saliente igual à de muitos portugueses com a sua idade. E com um chicote na mão. Com ele seguia a mulher, uma senhora que fazia lembrar a Branca de Neve, mas com um físico que impunha respeito a qualquer tentativa de assalto. Junto deles, uma jovem que deveria ser a filha, pelo menos, a julgar pelas semelhanças físicas. Vestia uma saia de xadrez vermelha, tipo “colegial”. O “pai” ia à frente a controlar a situação. Olhava em volta a apreciar com calma e astúcia os mais diversos recantos. Já a “mãe” puxava a “filha” por uma corrente presa ao pescoço, e o seu olhar era mais lascivo e perigoso. Ai de quem se metesse à frente. A filha vinha atrás, com olhar tímido, mas atrevido. Este foi o nosso primeiro contacto com o que iríamos encontrar na festa e não deixámos de pensar que estas três pessoas podiam perfeitamente ser nossas vizinhas, ou trabalhar nalguma loja frequentada por nós. Eram três indivíduos normalíssimos, mas nada do que idealizámos encontrar.

Como qualquer um, a nossa imaginação é construída por imagens que vamos retendo das revistas, filmes e publicidade, e não há como negar, aí todos os intervenientes parecem o Brad Pitt e a Angelina Jolie, ainda que vestidos de latex ou cabedal. E pensamos sempre em sexo. Ainda que o conceito BDSM não entre por essa via. Mas voltando à festa, enquanto o pai ia conduzindo a família por entre algumas chibatadas no rabiosque da jovem sempre que ela olhava para onde não devia, nós continuámos a circular e aproveitámos para apreciar o cenário onde nos encontrávamos. O local – que não revelamos onde era, porque assim ficou combinado, apenas podemos dizer que era em Lisboa –, tinha alguma classe e requinte. As paredes enormes compostas por pedras seculares, albergavam um átrio espaçoso e antigo, composto por altas colunas retalhadas. Do lado esquerdo, uma sala de teatro iluminada por um vermelho baço, sombrio. Cerca de 50 metros quadrados vazios, delimitados por cadeirões. Dois camarotes e um primeiro balcão virados para um palco de seis metros quadrados transformavam a sala num sítio misterioso. Num dos camarotes, estava uma DJ a pôr música. Placebo, U2, Nightwish e Marilyn Manson, como que a provar que os adeptos do BDSM, apesar de mais selectivos nos seus gostos sexuais ouvem o mesmo que os outros. Voltámos ao átrio e dirigimo-nos para o outro lado. Encontrámo-nos ao ar livre, onde há um bar, um palco e um quiosque de venda de artigos próprios para a festa, e uma esplanada semicoberta com várias mesas, onde as pessoas, que entretanto começavam a chegar, se sentavam a conversar calmamente. Falam da vida, dos filhos, do trabalho, do estado do país. Falam de tudo, como qualquer pessoa numa mesa de café. A única diferença é que, ali, as pessoas estavam forradas a latex dos pés à cabeça (passando por todas – sim, todas – as partes do corpo). Uma mulher vestida a rigor tinha o homem preso por uma corrente. Era o único que não participava na conversa. Não por ser tímido ou por ter algum problema de fala, mas sim pela máscara que lhe tapava a cara. Dois furinhos para os olhos e um fecho no sítio da boca. “Agora não se pode falar, meu menino, quem manda é a dona”. Ou melhor, a “dominadora”. Ele é o “submisso” e só tem de obedecer, caso contrário, leva uma chibatada. E não é que levou mesmo? Uma, duas, três… Ajoelhou-se, beijou os pés da dominadora e rastejou. Olhámos à volta e vimos uns quantos assim. Naquele momento, tivemos de disfarçar um olhar de surpresa porque, apesar de sabermos ao que vamos e respeitarmos esta filosofia de vida, acabamos por reagir como qualquer um que não conheça este mundo por dentro. E foi naquele instante que percebemos o porquê de estas festas serem secretas e de acesso limitado. Quem é que consegue estar à vontade com mirones curiosos em cima de nós? Deviam estar a sentir-se como quem tem um acidente na A5 e leva com os curiosos das duas vias. Afastámo-nos e deparámos com uma espécie de cadeira almofadada inclinada que se encontrava no centro da esplanada. Ali, uma senhora com mais de 60 anos, de rabo ao léu a levar chicotadas de um homem que anda à sua volta a distribuí-las. A senhora, que seria possivelmente avó de alguma criança, aceita o seu castigo com um à-vontade desarmante. O homem usava uma coleira de picos ao pescoço, uma camisa de renda, calças de latex e umas botas com saltos de 15 centímetros. A sua postura tremendamente teatral e encenada com muito afinco fez-nos suspeitar que, finalmente, a personagem ganhava vida. Demos azo à imaginação e visualizámos este indivíduo a trabalhar numa repartição de finanças à espera que chegue o fim-de-semana para dar asas ao seu alter-ego, tal qual um super-herói ou, neste caso, um castigador de latex.

Entretanto, a música subia de volume e as pessoas dirigiam-se para a sala de teatro. Estava prestes a começar um espectáculo. No palco, uma mulher ajoelhada. Vestida apenas uma túnica, olha o público nos olhos. Entra um homem em palco, despe-a e começa por lhe atar várias cordas em torno do corpo. Tudo com o máximo cuidado, ao som dos Massive Attack. Um desenho de cordas começa a ganhar forma no corpo da rapariga que, a pouco e pouco, vai sendo presa a outras cordas que caem do tecto. Fica suspensa, e o artista continua o seu trabalho de forma eficaz. Atingido o ponto alto, o público bateu palmas e fez-se o percurso inverso. O segundo número consistia numa representação alternativa da história da Branca de Neve. As roupas coloridas da Disney são substituídas por outras, também coloridas mas de late, e mais raparigas do que as da história original, provocam- se com dildos. Até que um príncipe encantado encontra a sua amada. Só isto. Por momentos divagámos nas nossas expectativas e ficámos à espera de sexo, mas mais uma vez recordamos as noções explicadas: no BDSM não há sexo. Especialmente da forma que imaginamos. Vive de insinuações, provocação e jogos de poder. Exactamente o que acabáramos de assistir em palco. Resumindo e concluindo: há chicotes e correntes? Há. Há dominadores e submissos? Há, sim, senhor. Há mordaças e algemas? Com certeza que há. Há sexo? Não, de forma alguma. Deveria haver? “Claro!”, dizem alguns. Mas aí não seria BDSM…

Para nos despedirmos em beleza, deparámo-nos novamente com o nosso trio familiar preferido. O pai, entretanto, deixara de controlar a situação e a Branca de Neve gigantesca obrigava-o a ajoelhar-se e a pedir perdão por todos os seus pecados. Ele, vestido apenas com um fio dental que lhe tapava os órgãos genitais, aceitou o castigo e juntou-se à filha na sua punição. Um momento íntimo de que nos afastámos discretamente, em direcção à saída, ao mesmo tempo que nos apercebíamos de como a nossa idealização da festa estava errada, em particular no capítulo intervenientes. Quem espera encontrar nestas festas modelos da Victoria’s Secret em versão napa e cabedal tire daí o sentido, pois estamos em Portugal e louras deslumbrantes de pernas compridas não moram aqui. Jovens seminus com abdominais de Deus grego não fazem parte deste campeonato. Vêem-se portugueses banalíssimos, que apenas pretendem divertir-se de acordo com o seu estilo de vida, sem chatear ninguém e, de preferência, sem ninguém que os chateie. Confessamo-nos desiludidos – provavelmente, por culpa das altas expectativas que tínhamos –, mas temos de admitir que para quem estava ali com a missão de mirone seria mais interessante encontrarmos algumas mulheres do calibre daquelas que costumamos ver nas edições da Penthouse. Certo?

TEXTO André Pereira | ILUSTRAÇÃO Jorge Coelho

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