o medo
Não é o medo de cair, é o medo de ter vontade de cair. E isso assusta como assusta o terror à noite. Não é a dor do corpo em pedaços lá em baixo, é o orgasmo do corpo em tesão cá em cima.
É como se a puta do abismo me batesse à porta e, de mini-saia e decote, me dissesse: olha lá, fofinho, não queres vir dar uma volta? E eu ali, ébrio de ânsias, sem leis nem moral. Digo-lhe que sim ou que não, mas o que lhe digo é sempre medo.
É o medo, só o medo, nada mais que o medo. Existe-nos mais do que nos existe o sangue. Cabrão do medo. Fosse ele ausente e eu seria morte, é ele presente e nem vida sou.
Olhando o abismo, temendo a vontade, réstia de horror que nos resta a todos, escondida na subterrânea lama louca do inconsciente. É de mim o corpo e é de mim que tenho medo. Sou eu o abismo.