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ansiedade
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o vazio da vida

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O vazio da vida é mais vazio, menos vida, ao domingo. Mais vazio, menos vida ainda, hoje. As ruas desertas, as nuvens estendidas, as pessoas fechadas, os astros alinham-se para um recolher interno obrigatório onde apenas estamos nós com o nosso silêncio, que é o nosso ruído, e os nossos fantasmas. E é quando nos recolhemos em nós próprios que damos de caras com o pesado vazio que carregamos e que a vida carrega. O aconchego do sofá não se sente além do corpo, a alma – ou a mente ou o que for que nos faz sentir – deveria recostar-se e aproveitar a incontrolável e inevitável inércia da vida, mas só se agita, só se inquieta, só se torna mais só e, por mais só, mais nossa, mais grita e mais nós a ouvimos. E ouvi-la, que é ouvir quem a tem, que somos nós, é abrir as portas ao vazio. Julgamos ser tudo, somos tudo, e, por julgarmos e por sermos tudo, não sabemos lidar com o nada que também nos existe. O confronto dói porque é raro, porque, sempre que ele nos espreita, nós ignoramo-lo e vamos fazer a nossa vidinha das nove às cinco, tomamos o café que não saboreamos, assistimos ao jogo que não nos interessa, falamos com as pessoas que não nos questionam, comemos a sopa que não nos sabe a nada, vemos o episódio que não nos estimula e vamos para a cama que nos adormece. A espuma dos dias afasta-nos do vazio, mas também nos aproxima dele. Porque, quanto mais o evitarmos, maior ele se torna quando, inevitalmente, ele nos aparecer. Como hoje. Aconchega-se, desaconchega-nos e fica, não foge, até nos adormecer.

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não és tu, sou eu

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Não és tu, sou eu. Entendes, mundo? Tudo o que me magoa está cá dentro, não aí fora. Tu não tens nada que ver com isto. Tu existes com as tuas pessoas, as tuas ruas, os teus rios, as tuas auroras boreais, os teus sismos, os teus vírus, por aí fora. Eu é que, por vezes, não sempre, não consigo existir com as pessoas, as ruas, os rios, as auroras boreais, os sismos, os vírus e por aí fora que eu tenho por aqui dentro, que, na verdade, eu sou. Não és tu, mundo. Nada tens que ver com as minhas euforias nem com as minhas quedas para melancolias. Nada, sou eu, está tudo em mim. Tudo o que amo e tudo o que odeio está em mim. E eu preciso de saber lidar com isso, e isso sou eu. Quando digo a alguma pessoa que a amo ou quando mando alguém para o caralho, estou, apenas, a projectar coisas lindas ou merdas que vão cá dentro. Amo o outro, odeio o outro, amo-me, odeio-me. Acho que é assim que funciona. E funciona lindamente quando é o ódio a mandar. A culpa não é dos pretos nem do trânsito, não é dos chineses nem do tempo, a culpa não é de nada nem de ninguém. Sendo, talvez seja nossa, que a inventamos para podermos justificar comportamentos que não têm justificação, e cuja causa não queremos destapar. Não queremos saber o porquê de odiarmos. Nem sequer queremos saber o quê ou quem odiamos. É ódio e pronto, nada mais interessa. O que eu acho, e eu não tenho qualquer autoridade para atribuir valor ao que eu acho, é que nós vivemos para os outros um pouco como espelhos de nós mesmos. E que a sujidade das palavras, os dentes cerrados e a saliva a espumar na boca são meros reflexos do que se passa dentro de cada um de nós. Não és só tu, também sou eu.

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não consigo a vida

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Preciso de ajuda, assim não consigo a vida. Há quase três anos que disse estas palavras, por esta ordem, com esta boca. Preciso de ajuda, assim não consigo a vida. Nem ver, nem ouvir, nem tocar, nem brincar, nem sorrir, nem estar, nem ser. A vida, não conseguia a vida. Ela mesma, eu próprio. A sala de consultório sempre me intimidou um pouco. O silêncio, as estantes carregadas de livros, os cadeirões ao fundo, junto à janela. Pouco a pouco, fui deixando de dar por ela – como se fosse ela o que eu sou. Nela, ou em mim, fui dizendo palavras que eram palavras, crenças e fantasmas. Na penumbra dela, ou na escuridão de mim, dei-me a mão e permiti-me entrar, mexer, escavar, cheirar, tocar, lutar, provar, cuspir, engolir, morder, gritar. Não tem sido uma maravilha, não, mas tem sido uma descoberta, de porta aberta, pela ilha que eu sou, em que me tornei. Não sei por onde vou, não sei para onde vou, sei que vou, isso sei. Mais nada. Tenho, ainda, muita lama nos meus pés, muita merda que me chama e me seduz a ser errado. Mas também acho que tenho, que estranho, coisas bonitas em todo o lado. E é o que me faz continuar, saber que eu posso ser quem quero ser, sabendo, primeiro, o que me há no interior – e o que é isto do querer. Acho que há amor. É só voltar a aprender.

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parece que a escuridão

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Às vezes, parece que a escuridão ganha forma de rosto – como se a emoção fosse o oposto do que se deveria ver, nada, vazio, escuro, ausência, bruma, coisa nenhuma. Mas vejo o rosto que ganha forma na escuridão, não sendo rosto, não sendo. Não. Não é rosto, nem sequer escuridão. É espelho meu, espelho meu, o rosto sou eu, o resto é ilusão.

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manhã

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Não é por ser domingo. É por ser manhã. Poderia ser qualquer outro dia, segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado ou infinito, que seria sempre por ser manhã. E manhã é sempre recomeço, e recomeço é sempre alerta, e alerta é sempre cavalos a galopar no peito. É o recomeço do tic-tac tic-tac tic-tac acelerado do tempo, é o alerta do pensamento atrás de pensamento atrás de pensamento atrás de pensamento, são os cavalos da luta, da falha e do fracasso. Não é por ser domingo. É por ser, simplesmente. Poderia ser qualquer outra coisa. Seria sempre.

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feito até ao fim

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Perfeito, em latim, significa “feito até ao fim”. Eu não sou perfeito, tenho muito por ser acabado, ainda. Na verdade, nem eu nem ninguém nem nada seremos, alguma vez acabados, feitos até ao fim. Nada está concluído, tudo está em mudança. Nem as almas, nem as pedras, nem as nuvens, nem os cadáveres. Tudo muda, tudo mexe, tudo está em transformação para outra coisa que não a que é, nada está feito até ao fim, fechado, embrulhado, ensacado e pronto a enviar para o código postal da Plenitude. Morada não encontrada, remeter ao destinatário. André Pereira, Rua Incompleta, 1500-370 Coração.

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o peso da vida

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Não é o meu peso. É o peso da vida comigo nela. Eu sou leve como um ser humano minúsculo neste mundo ínfimo neste universo infinito deve ser. Mas, perante a vida, perante a vida real, ganho um peso maciço que não é o meu. É o peso da vida, que é o peso das responsabilidades, o peso das decisões, o peso dos medos, o peso dos outros. E todos estes pesos, que não são meus, que são da vida, toldam-me os movimentos, amarram-me os braços e, tantas vezes, os desejos.

O peso da vida é-nos mais pesado conforme vamos crescendo, creio eu. Quando eu era criança, o peso da minha vida resumia-se ao medo da cama e à ansiedade para completar a caderneta do Mundial 94. Hoje, o peso da vida é-me pesado no trabalho, no amor, nos sonhos, na solidão e no futuro. No salário, nas contas para pagar ao final do mês, na formação de família, na mudança de casa, na criação de um espectáculo, na escrita de um livro, na reedição de outro, no aperfeiçoamento de um projecto, na urgência do tempo, na certeza de estar tudo certo.

Hoje, mais do que em qualquer altura da minha vida, creio eu, o peso da vida é-me asfixiante. E eu, sendo leve, voo, pesado, para a terapia, para o yoga, para apps de meditação, para o escitalopram e até para a astrologia. Só queria voar para mim mesmo, que é lá que está o que realmente importa, leve.

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essa galdéria que me chupa

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Raramente estou vivo. Quase nunca. É a puta da ansiedade, acho eu, essa galdéria que me chupa a vida.

Olha o futuro, meu querido, pensa já o amanhã, sente-o, vive-o, estás a pensar?, estás a sentir?, estás a viver?, que merda, não é?, aproveita já para sofrer. Vivo o amanhã, penso o ontem e desprezo o hoje. E isto vai aglomerado em carruagens de ilusão, porque imagino o amanhã sempre horrível, o ontem sempre maravilhoso e o hoje sempre ausente.

Uma estupidez em loop que me dói no peito mais do que me dói o amor. É no peito, esse ninho especial das dores, que as coisas importantes vivem e morrem quase em simultâneo. E depois lá vem o xanax, o valium, a paroxetina e todas as outras merdas pela boca adentro.

Engulo a ansiedade em copos de água e encaro a rua a fingir que a vida é minha e é linda. Não é nem uma coisa nem outra. A minha vida é hoje, e eu nem sequer a vivo.

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