só me aconteço escrevendo
Escrevo para que a vida não morra.
Acho que é isso. Se for por outra razão, desconheço-a. Aliás, se for por razão, é mentira. Escrevo porque não tenho razão para escrever, razão pura, coisa lógica com sentido, não.
Escrevo porque me acontece assim e porque eu só aconteço se eu escrever. E acontece que eu aconteço muito na vida, de uma ponta à outra, com todas as coisinhas maravilhosas e doídas que nela há.
Escrever é escavar a vida, é ir-lhe às entranhas e agarrá-las, mordê-las e cuspi-las para a folha. E depois fazer amor com elas.
Escrevo para que a vida não morra. Se eu não escrever, morro com ela. Se eu escrever, sofro-a. Na verdade, sofremos todos. A diferença é que, quem escreve, apenas sofre duas vezes, a vez em que sofre e a vez em que dá letras ao que sofre. Mas é sempre para que a vida não morra, por mais bonito ou nojento que seja.
Só me aconteço escrevendo, mesmo sabendo que escrever aleija.