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futebol
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nenhum deles voltou

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No mesmo avião, foram 26 jogadores. No mesmo avião, voltaram 14. A ganhar o Mundial, para festejar e para receber aplausos e notas, teriam voltado, no mesmo avião, os mesmos 26 jogadores que partiram. Perdendo o Mundial, voltaram apenas os que se sentiram verdadeiramente derrotados, verdadeiramente nobres. Os outros, certamente desolados, coitadinhos, ficaram tristes, tão tristes, a festejar no lugar onde nenhum deles perdeu, porque nenhum deles voltou.

Imagem: Fauzan Saari

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sempre só com ele

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Não é por não marcar nem por não jogar como jogava. É por festejar e por chorar como sempre o fez: sozinho. Nunca foi pelas equipas nem pela Selecção, sempre foi só por ele. Ronaldo existe sozinho. Sempre existiu. Para ele, os outros não existem. Por muito que tenha contribuído para o sucesso das equipas e da Selecção, ele sempre existiu só para ele. Por isso é que, festejando ou chorando, ele nunca está com os outros. Está sempre só com ele. E ele está como sempre esteve: sozinho.

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benfica vs. benfica

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Se aquele golo tivesse contado, talvez o Benfica tivesse vencido. Mas duvido que tivesse começado a jogar um futebol incrível. O Benfica tem sido prejudicado uma ou outra vez pela arbitragem, mas não me parece que isso tenha assim tanta relevância. A arbitragem é sempre o bode expiatório de qualquer clube que está mal. É a tal necessidade de um vilão. A História explica isso, como diria o filósofo António Costa. E essa explicação vai da realidade à banda desenhada – o Batman não seria tão herói se o Joker não fosse tão vilão. Quando o Benfica não tem hipóteses de ter o Sporting nem o FCPorto como vilões (tendo em conta as distâncias pontual e de futebol praticado), atribui esse papel à arbitragem. Esta atitude de transferir o alvo para outro que não para si é natural no comportamento humano, mas não é uma inevitabilidade. Mas, ao que parece, parte da nação benfiquista acha que sim – ou melhor, não acha, aceita sem pensar em achar o que quer que seja. Mas só aceita porque não pensa, ou porque pensa mal. Porque, na verdade, o vilão do Benfica é o Benfica. E isso, se já custa pensar, custa ainda mais assumir. Mas é a verdade, é o passe a rasgar. E é o único caminho para o crescimento, para o golo.

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está por um

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É urgente o amor. Em todo o lado, em toda a gente. Mas mais, muito mais urgentemente, no futebol. E não só no que já tem assistência. É urgente o amor ao futebol na sua essência, ao futebol que, na sua definição, já tem o adjectivo que lhe parece faltar: amador. E a culpa é, grande parte, de quem o joga. Sem arte. Sem amor. 

Não por não saber passar ou fintar ou marcar, apenas por não o saber jogar. Camaradas da magia e da sarrafada em coletes berrantes, uni-vos! Voltemos ao futebol como era dantes. Acabemos com quem está a acabar com a substância da peladinha. Esses iletrados que, numa futebolada rasgadinha, cometem o crime tão triste de não contar os golos marcados, só a diferença que existe. Não está 9-8, está por um. Está 1-0. Um zero, exacto. Esses insensíveis que só existem pela conquista e não pelo espectáculo. Esses imbecis que só querem saber se ganham ou perdem, não lhes importando saber quantos golos marcam ou sofrem. Para esses palermas, um jogo que tenha terminado 9-8 é um jogo que ficou por um, que terminou 1-0. São esses que, à beira da morte, resumem a vida inteira num cinzento “estive vivo”. Que desalento.

Esses coninhas da diferença mínima que nos querem substituir os sentimentos por calhaus. Esses seres desumanos que negam o meu golo ao ângulo, a minha assistência de letra e o meu frango admirável porque um 9-8, para eles, é um 1-0. É um jogo que está por um. Por um fio, sim. Esses ditadores do vazio que apagam a História, que lhe dão um fim, que nos dizem a nós, Winstons vigiados, que a guerra com o Eurásia FC não foi assim tão sangrenta porque foi só por 1-0. Esses limitados, no limite, dizem que nunca houve guerra. E, se é sempre para terminar por 1-0, talvez não devesse mesmo haver guerra. Nem paz. Não se faz.

Mais valia jogar sem balizas. Vamos tirá-las, não são precisas. E os jogadores também. Jogamos sem eles, não são amadores, não amam ninguém. E a bola, para que serve? Se já nem o sangue do golo ferve em quem a põe na gaveta. Já não faz sentido haver pé-de-chumbo, podão ou vedeta. Quem faz isto ao futebol é gente sem coração. Para estes idiotas, contar os golos dá muito trabalho. Vai-se a emoção. Vão para o caralho.

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verão azul

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Mil novecentos e noventa e quatro, o Roberto Baggio falha o penálti e eu fico triste. O primeiro Verão de que tenho memória foi o mais feliz da minha vida. Éramos muitos, uns quantos adultos e uma catrefada de putos a partilhar um rés-do-chão de uma moradia em Lagos.

Havia um jardim, pequenino, em frente ao portão de entrada, e uma palmeira nesse jardim. Era lá que eu e os meus primos brincávamos. Havia uma piscina, mas só lá ia quem morava no andar de cima, nós não. Havia um grelhador com um adulto de boné sempre por perto, o meu pai ou algum dos meus tios. Cheirava a peixe e a carne grelhada. O melão era fresquinho e ainda hoje, dois mil e dezanove, me sabe àquele Verão. O meu primo João nunca queria ir despejar o lixo mas, na volta, já vinha a cantar. Também havia muito sol e sono depois de almoço. Mas os putos felizes não dormem, então, eu, o meu irmão e os meus primos íamos para o café jogar snooker e beber coca-cola. Os adultos ficavam em casa a dormir a sesta e a jogar às cartas. 

Às quatro horas, voltávamos para a praia. Corríamos, jogávamos à bola e tentávamos escavar buracos até à China – nunca conseguimos, por exclusiva culpa do mar. O regresso era feito de areia nos pés, alguns desaguisados entre primos e uma vincada falta de vontade de ir tomar banho. A vontade, mesmo que vincada, dos putos não prevalecia sobre a vontade, mesmo que branda, dos adultos e então lá íamos nós de burro preso para o banho. 

A alegria regressava num instante. Era Verão e era família. E eu era criança (o que ajuda muito nesta coisa da felicidade). Nada mais importava porque, para mim, nada mais acontecia além do que acontecia ali. E, numa televisão pequenina que estava na sala, o Roberto Baggio deu balanço. Olhou para o árbitro, olhou para o Taffarel e correu. Eu adorava o Taffarel, o Raí, o Romário e o Bebeto, mas adorava mais o Roberto Baggio. Torcia pelo Brasil porque não havia Portugal, mas fiquei muito triste com aquela bola por cima da barra. Felizmente, havia Verão partilhado naquele rés-do-chão de uma moradia em Lagos.

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é nome de rui patrício

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Choraste e eu, não chorando, chorei contigo. Não pelos golos que sofreste, que até aplaudi. Perdeste, queria que perdesses, é a rivalidade, desculpa, também é ela que nos faz andar nisto da bola e da vida. Só por isso.

Mas choraste e eu, não chorando, tendo até sorrido por cada golo que sofreste, chorei contigo. E nem sequer foram os golos que te fizeram sofrer dessa maneira. Que se fodam os golos, foram – das coisas mais importantes das menos importantes da vida – apenas golos.

Sofreste, e ainda sofres, por não haver o respeito das palavras, dos gestos, das atitudes e de tudo o mais daqueles a quem deste sempre mais. Não a todos, que a maioria está contigo e não te deixa chorar por ela, mas a de alguns que, cegos de raiva e de ingratidão, batem e cospem em quem lhes deu pontos e sonhos e voos e, acima de tudo, coração.

Os homens não choram e tu choraste. Já sabia que eras mais do que homem. Pisámos o pelado do Marrazes, vestimos de negro. Só isso seria suficiente para seres mais do que homem. Mas sempre continuaste aquele puto que não era um Maradona a lateral esquerdo, mas que era um Rui Patricio à baliza. E Rui Patrício não é nome de homem. É nome de Rui Patrício. É nome de capitão. É nome de líder. É nome de quem dá pontos e sonhos e voos e, acima de tudo, coração.

Choraste e eu, não chorando, chorei contigo. És mais do que meu amigo. Sempre que chorares, és meu irmão.

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o desenho do shéu

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O Shéu fez-me um desenho. Foi em 1998, num convívio da casa do Benfica de Leiria, e o desenho que o Shéu me fez é o que mais me desenha a lembrança.

O pai do Mário foi buscar-nos a um jantar do SCLMarrazes, o meu negro clube onde jogava eu e o Mário. Éramos putos, eu tinha 13 anos. Hesitei em ir, por vergonha de estar com os maiores, mas a amizade pelo Mário e o sorriso do pai do Mário lá me levaram com eles. Era noite e havia pirilampos lá fora, no jardim. Lá dentro, no restaurante, havia estrelas. José Augusto, António Simões, Bento, Mário Wilson, Shéu, Veloso. Ficámos sentados junto do José Augusto e do Shéu. José Augusto, o bicampeão europeu, Shéu, o pés de veludo. Havia mais luz do que no jardim e eu não sabia o que fazer, não sabia para onde olhar, não sabia nada. Sabia, apenas, que estava junto de duas lendas que nunca tinha visto jogar ao vivo, mas que eram parte da linfa que me corre no meu (muito) vermelho sangue.

O Shéu, sempre discreto e sempre tranquilo, olhou para mim, pegou numa caneta, num papel e começou a rabiscar. Desenhou qualquer coisa como figuras geométricas – que era o que ele desenhava em campo – e ofereceu-me. Acho que paralisei. Olhei para aquela folha e vi genialidade que ultrapassava a de Picasso. Os desenhos eram horríveis mas, caraças, eram desenhos que o Shéu fez para mim. Que se lixe a Guernica e As Meninas. Este menino estava numa aguarela de museu e não queria de lá sair. Sou capaz de ter dito obrigado – a minha paralisia não me terá deixado dizer mais nada. Sei que o José Augusto também pegou na folha e assinou. Seguiu-se o Bento, que também lá estava ao lado, o Veloso, o António Simões e o senhor Mário Wilson que me chamou de craque (não me interessa mais nada, o senhor Mário Wilson disse que eu era craque, o número 7 do SCLMarrazes era craque, ponto final, foi o que ele disse e, se ele disse, tinha razão) – e todos sabemos que não se deve contrariar os deuses.

A terminar a noite, depois daquela enxurrada divina, dirigi-me à caça de autógrafos na mesa presidencial. Foi aí que desci à terra. Paulo Madeira, capitão de equipa, José Capristano, vice-presidente, e Vale e Azevedo. “Dá cá a folha que a assinatura de um presidente tem de ficar bonita”. Não há dúvida de que ficou bonita. Mas a anos-luz dos desenhos horríveis que o Shéu me fez.

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1994

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Foi em 1994. Havia Neno, Abel Silva, Hélder, Mozer, Veloso, Kulkov, Rui Costa, Vítor Paneira, Schwarz, Aílton, Rui Águas, Silvino, Nuno Afonso, Kenedy, João Vieira Pinto, Yuran e Toni, os meus primeiros heróis que vi serem humanos. De vermelho e branco, de carne e osso, mesmo ali à minha frente. Ao meu lado, o meu pai; em todo o lado, o meu nervo. Não sabia o que dizer nem o que fazer. Olhava em volta e só via sonho. Zero a zero, foi assim que acabou o jogo contra o Gil Vicente a 9 de Janeiro daquele ano e foi assim que começou o amor ou loucura ou paixão ou lá o que se chama isto que eu sinto pelo Benfica.

Digo amor ou loucura ou paixão porque não sei dizer mais, digo amor ou loucura ou paixão porque esta coisa que me tem vai além da definição exacta de uma palavra só e só as definições destas três se aproximam desta assombrosa indefinição maior que sinto pelo Benfica. Nem vida é palavra que se preze. Nem morte. Talvez Benfica. Sim, sinto Benfica pelo Benfica, dizendo amor ou loucura ou paixão. Foi em 1994 e foi para sempre.

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elogio do sofrimento

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Sinto necessidade de fazer um elogio ao sofrimento, particularmente àquele que se apodera de todos os que vestem vermelho. Vermelho-Benfica.

Ser benfiquista é muito mais do que ter na alma a chama imensa. É ter várias chamas. É ter um Portugal inteiro durante o Verão a arder no nosso corpo. É ter uma explosão nuclear em cada cantinho da nossa alma.

Eu sofro. Claro que sofro pelo Benfica. Quem seria eu se não sofresse? Com que cara me olharia ao espelho se não me doesse o coração quando vejo o meu clube perder? Sofro, com certeza! E vou continuar a sofrer. Quer o Benfica jogue bem, quer jogue mal. Quer o Benfica ganhe, quer perca. Eu sofro! Junto os pés, bato com eles no chão e grito para o megafone: eu sofro! E ninguém me pode impedir. Tenho esse direito, ora essa. O sofrimento é condição essencial do ser benfiquista. É o que está no seu código genético, no seu ADN, no seu código de barras, naquilo que quiserem chamar.

Aqueles que não ficam irritados com a derrota da sua equipa é porque não a sentem verdadeiramente como sua. São assim-assim. São mais ou menos. E ser assim-assim ou mais ou menos é não ser. É a total ausência de identidade.

Ser benfiquista é insultar sem piedade, é elogiar sem frieza. É sentir ao máximo. É ter uma só cor, um só rumo, um só destino.

Ser benfiquista é ter um vírus alojado não se sabe bem onde, nem como, nem porquê mas, a verdade, é que ele está lá e faz o que quer. Não é hereditário, mas é extremamente contagioso e implacável. Não dá hipótese. Deixa-nos de cama, rabugentos e encharcados em comprimidos. Mas também nos deixa eufóricos, estupidamente felizes e com vontade de distribuir beijos e abraços a toda a gente com que nos cruzamos no trânsito. É contraditório, incoerente e irracional. No entanto, não deixa de ser o vírus mais apetecível de contrair.

É por tudo isto que eu sou do Benfica. Porque amo, porque odeio, porque grito, porque choro, porque salto, porque festejo, porque sofro! E sofrer dói como o caraças. Mas dá-me a certeza de que estou vivo, de que sinto. E não há nada melhor do que sentir o Benfica.

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