ensaio sobre a despedida
O Jardim das Cerejeiras, de Tchekhov, é um ensaio sobre a despedida. Tudo o que está em palco, que é cenário e que é personagem, está a dizer adeus. Tudo diz adeus a tudo. A personagens, a lugares e a si mesmo. E a peça mais não é do que esse processo de abandono, de partida. Diz-se adeus a uma casa, a um jardim, a uma terra, a um armário, a dinheiro, mas também se diz adeus a uma governanta, a um mordomo, a uma família, a um amor e, dizendo adeus a tudo isto, diz-se adeus à memória. E o regresso que é gatilho desta peça para esta despedida é mais doloroso por um outro adeus que ainda custa a dizer – por não se saber dizer, o adeus a um filho, que vai existindo como um ruído de fundo que vai encaminhando o mundo de cada um para um fim esperado. Há crítica social, lutas de classes, futilidade cultural e outras irrelevâncias que, claro, pouco importam para isto. Esta peça é sobre despedida e sobre o doloroso dever de a viver. Entre poucas dolorosas interpretações – pedinchando dinheiro e desfilando espingardas, sobressaíram as de quem já anda nisto há uma vida e as de quem, não andando, parece que sim. Felizmente, há actores que estão e que conseguem ser aquilo que querem parecer, sendo aquilo que o teatro deve ser, vida. Mesmo sendo, tantas vezes, um ensaio sobre a despedida.