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Julho, 2017
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a felicidade do suicídio

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“Tristeza não tem fim, felicidade sim”. Lêem-se as palavras de Vinicius de Moraes e ouve-se a melodia de Tom Jobim. Da felicidade, porém, nem um sinal.

Definição de suicídio no Dicionário da Língua Portuguesa: “substantivo masculino| acto ou efeito de suicidar-se; tirar a própria vida”.

Chester Bennington, vocalista dos Linkin Park, suicidou-se este mês. Por ser figura pública, muito se falou sobre a sua morte e sobre as razões que o levaram a cometer tal acto. O músico parecia ter (e talvez tivesse) uma vida perfeita: sucesso profissional, família, amigos, fama e dinheiro. Para muitos, a definição de felicidade. Mas o que é isso da felicidade?

A felicidade é a cenoura à frente do burro. A sociedade é quem está em cima do burro a segurar na cenoura. Sobramos nós e o burro. A associação é lógica – não preciso de a dizer.

A cada instante, a sociedade acena-nos a cenoura com o objectivo de nos fazer salivar e ir atrás dela. No entanto, nunca a apanhamos. A cenoura continuará à frente dos nossos olhos, e nós sem lhe conseguirmos tocar. Compramos um telemóvel, mas há sempre um mais evoluído por ter. Conseguimos o melhor emprego, mas há sempre um que nos poderia dar um melhor salário. Conseguimos a mulher mais bonita, mas há sempre uma Mila Kunis no nosso raio de visão. A constante criação de felicidades vai formando um ciclo vicioso que se repete ad æternum.

Esta impossibilidade de alcance gera frustração. E a felicidade ali ao virar da esquina.

Mentira. Não está. Nunca está. E esta frustração de não estar bate mais forte no peito dos mais sensíveis, como os artistas, seres que escarafuncham as entranhas da sensibilidade. A maioria das pessoas reage a ponto de não se matar. A maioria. Não todas. O Chester matou-se. O Chris Cornell matou-se. Até a Marilyn Monroe se matou. Artistas.

Aliás, este “tirar a própria vida” acaba por, estando certo, estar errado. A vida, sendo nossa, não é nossa de verdade, na medida em que não a escolhemos. Não escolhemos nascer, não escolhemos o sítio onde nascemos, não escolhemos os nossos pais, não escolhemos as pessoas que nos rodeiam, não escolhemos a data nem a forma nem o local da nossa morte – pelo curso natural da vida. Temos outras escolhas ao longo da nossa existência, mas estas, as vitais, não partem da nossa vontade.

“Não podemos impedir o nosso nascimento: mas podemos corrigir esse erro (…) Quando um homem se suprime a si mesmo, ele faz a coisa mais digna de respeito. Quase conquista o direito a viver”. As palavras são de Nietzsche, o filósofo alemão que apregoava o amor à vida, mas que defendia o suicídio na altura exacta, “a morte livre, consciente, sem acaso”. Mas será que o suicídio é mesmo a única decisão livre que podemos tomar? Ou é apenas uma forma de fuga perante o vazio conceito da felicidade?

O suicídio talvez seja pregar uma partida à morte, não à vida. O suicídio talvez seja virar o tabuleiro do xadrez a meio do jogo. E agora, quem ganhou? Há, sequer, vitória quando ambos perdem?

Perdeu o Chester, o Chris (e até a Marilyn). O suicídio foi a única solução que eles encontraram para contrariar esta imposição (e ilusão) social chamada felicidade. A cenoura continua à nossa frente. E nós continuamos a olhar para ela. Salivamos, corremos, fracassamos e morremos.

“Tristeza não tem fim, felicidade” também não, porque nem chegou a ter princípio.

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emoji, coração líquido

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“Há palavras que nos beijam como se tivessem boca”. Lindo e verdade, O’Neill. Hoje, porém, além de palavras, há emojis. Há emojis que nos beijam como… Hum, não sei se isto faz sentido. Bauman, anda cá.

Esta semana, comemorou-se o Dia Mundial do Emoji, aquele bonequinho que existe online para transmitir coisas – emoções, também – às pessoas. Segundo dados oficiais do Facebook, só nesta rede social, são partilhados mais de 60 milhões de emojis diariamente. Pouca coisa, portanto. Não há estudos para o número de palavras partilhadas, mas a verdade é que o emoji está a crescer a olhos (com corações) vistos e a ganhar uma casa própria.

Quase parece que a palavra feita de letras está a ser derrotada – ou a sofrer um ataque de cócegas, vá – por um batalhão de bonequinhos amarelos. Hoje, “amo-te” diz-se com um emoji de um coração vermelhinho. Não é pior nem melhor do que “antigamente”, é diferente. É sinal dos tempos, e os tempos mudam num instante. O “antigamente” é o dia de ontem. Literalmente.

E é aqui que entra Zygmunt Bauman, filósofo e sociólogo polaco, que vem chamar ao tempo de hoje Modernidade Líquida – não mais do que um período de fluidez e vulnerabilidade das relações sociais. “Tudo o que era sólido se liquidificou”, tal como as palavras – coisas sólidas e cheias – andam a ser substituídas pelos emojis – coisas líquidas e esguias. As palavras dizem, os emojis dão a entender. As palavras vão, os emojis ficam a meio caminho.

Esta necessidade de não-apego ao outro (por necessidade de contacto constante com todos) talvez seja o motivo para o uso cada vez maior de símbolos “leves” que não comprometem nem afastam, que não beijam nem magoam, que andam ali por entre os links da chuva das relações.

O coração vermelhinho pode dizer “amo-te”, mas também pode dizer ternura, amizade ou, simplesmente, coração – o músculo. Há um não-comprometimento, quase um politicamente correcto na comunicação por emoji. Se ele for bem aceite, era precisamente isso que se queria dizer; se não, era outra coisa, a pessoa é que entendeu mal, e dá-se a volta ao “texto”. O emoji é uma palavra que dá para ser mudada a meio do jogo, é uma espécie de batota da linguagem. Só “amo-te” quer dizer “amo-te” (por muito mentira que possa ser).

“Há palavras que nos beijam como se tivessem boca”. E há emojis que nem sequer sabem o que é um beijo.

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outra forma de chorar

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Como se houvesse outra forma de chorar
que não escrevendo.
Pobre coitado do que pensa que chora
só por ter olhos molhados.
Pobre diabo do que no pranto se demora
só por ter lábios salgados.
Mesmo sofrendo,
gritando, gemendo,
sempre sendo o agora
que lhe demora a passar,
ele não chora,
ela não chora,
ninguém chora.
Ninguém sabe chorar.
Há mais sofrimento lá fora
em quem não derrama uma gota,
em quem não diz que sofre só por dizer que sabe sofrer,
em quem não tem nem sabe ter,
em quem luta sem saber por que lutar,
em quem sonha sem saber por que sonhar,
em quem se deita, se ergue e se arrasta,
em quem vive de alma seca e pele gasta,
em quem… basta!
Como se houvesse outra forma de chorar
que não escrevendo.
Ninguém chora,
ninguém sabe chorar.
Só quem escreve
(que esta coisa de chorar é mais que água,
é vida embrenhada pela mágoa
no silêncio de uma folha por falar).

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belas e feios, ricos e pobres

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O curioso na morte é que, sobre as belas, recorda-se o pior do que foram enquanto vivas e, sobre os feios, recorda-se o quanto eles até nem eram assim tão feios. Marilyn era “toxicodependente” e “conflituosa”; al-Baghdadi era “pacífico” e “envergonhado”.

“Morreu a mais bela mulher do mundo”, escreveu Ruy Belo, assim que se soube da morte de Marilyn Monroe. Morreu o mais feio homem do mundo, escrevo eu, agora que se sabe do fim de Abu Baqr al-Baghdadi.

Nem eu sou Ruy Belo nem al-Baghdadi é Marilyn. Infelizmente para todos. Mas sou capaz de ter razão quando digo que ele era o mais feio homem do mundo.

Abu Baqr al-Baghdadi, um dos mais desumanos líderes jihadistas de sempre, era a cabeça (e a barba) do Estado Islâmico na Síria. Parece que morreu em Maio, num ataque dos russos. No entanto, só agora se confirma o seu fim — é o que diz o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, sublinhando a informação que está a ser divulgada pela televisão iraquiana.

Apesar da pouca confiança que devemos depositar no regime russo e, essencialmente, na televisão (seja ela de que terra for), tudo indica que, de facto, Abu Baqr al-Baghdadi morreu. Como morre toda a gente, aliás. Belas e feios, ricos e pobres, assassinos e poetas.

Quando digo feio, não falo de cara nem de corpo, que isso pouco importa para a beleza, mas de alma — ou dessa coisa que faz da pessoa o que ela é de verdade, sem o preconceito básico dos sentidos. Marilyn era a mais bela mulher do mundo por ter a alma — ou essa coisa que faz da pessoa o que ela é de verdade — bela.

O curioso nas mortes das belas e dos feios é que, por uma qualquer tentativa de equilíbrio da percepção que deixam no mundo, sobre as belas, recorda-se o pior do que foram enquanto vivas e, sobre os feios, recorda-se o quanto eles até nem eram assim tão feios (nem tão porcos, nem tão maus).

Basta googlar: Marilyn era “toxicodependente”, “conflituosa” e “fez, pelo menos, 12 abortos”; al-Baghdadi era “pacífico”, “envergonhado” e “o melhor jogador de futebol da mesquita, um Messi”.

Mas há mais. O pacifista Gandhi, por exemplo, era “misógino”, “racista” e “forçava mulheres a dormir com ele”; o tirano Hitler era “sensível”, “vegetariano” e “defensor dos animais”.

Até por cá: a popular fadista Amália era “fascista”, “contrabandista” e “bêbeda”; o ditador Salazar era “um homem bom”, “simples” e “humilde”.

Os bons tornam-se maus, os maus tornam-se bons. Tanto bons (ou belas) como maus (ou feios) continuam numa dimensão quase etérea. Às belas, sabe-nos bem vê-las cair de lá do alto, atribuindo-lhes defeitos maiores do que os que temos — inveja nossa. Aos feios, perdemos o medo quando lhes damos características de gente. Somos nós que os criamos e somos nós que os fazemos cair ou levantar – como se os obrigássemos a serem humanos.

Humanos que são belos e feios, ricos e pobres, assassinos e poetas. E eu continuo sem ser Ruy Belo. Infelizmente para mim.

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estou?

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Odeio atender chamadas, odeio, e há uma única razão para isso, e essa razão é a incerteza da vida. Não fosse incerteza e não fosse vida e não diríamos coisas como as que dizemos sempre que atendemos uma chamada: estou? está lá? sim? Isto é incerteza de vida, isto é filosofia pura, isto é falarmos mais connosco do que com quem está do outro lado da linha. estou? eu estou? eu sou, mas será que estou? está lá? lá onde? quem está lá? e esse alguém está verdadeiramente? se está, onde é o lá? sim? por que não? incerteza no sim e certeza no não? anseio de uma resposta que seja sim? Isto é incerteza e nós nem sequer paramos para pensar. Questionamos e falamos. É por isso que odeio atender chamadas, porque não faço ideia do que seja isto da vida.

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