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feios, porcos e maus

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27 de um lado, 27 do outro. Pontapés, cotoveladas, murros e cabeçadas. Testosterona, ódio, sangue e uma bola. Caro leitor, apresentamos-lhe o Calcio Fiorentino.

Lembra-se da característica forma de jogar de indivíduos como Paulinho Santos, Jorge Costa, Fernando Couto, Luís Vidigal ou Carlos Mozer? Só de pensar, já fica com nódoas negras no cérebro, não é? Mas, caro leitor, temos a dizer-lhe o seguinte: ao lado dos praticantes do Calcio Fiorentino, os jogadores que mencionámos são umas verdadeiras florzinhas de estufa. Uns autênticos anjinhos. Uns mariquinhas pés-de-salsa. Mesmo! Ora seja muito bem-vindo ao Calcio Storico (Futebol Clássico) Fiorentino, um histórico e brutal desporto que existe há mais de quinhentos anos. O jogo é, aliás, um dos antecessores do futebol moderno, a razão pela qual ainda hoje o futebol em Itália se entende como calcio. Só depois é que a ideia viajou para Inglaterra e serviu de base ao futebol que hoje admiramos. Este evento tem lugar todos os anos, no dia 24 de Junho – dia de São João Baptista, o santo padroeiro da cidade de Florença – na Praça de Santa Cruz. Nestes dias, a praça apresenta-se toda coberta por areia, para não aleijar os 27 meninos que, representando cada equipa, praticam esta viríl modalidade.

O objectivo é transportar a bola de uma ponta à outra do campo e atirá-la para as redes da equipa adversária, que se prolongam pela linha de fundo delimitada pela própria arena. Até aqui, nada de muito estranho. Tudo parecido com o futebol. No entanto, há dois pontos a ter em conta: a bola tanto pode ser jogada com os pés como com as mãos (característica que aproxima esta modalidade do râguebi – e de alguns jogos do nosso campeonato) e as agressões (murros, pontapés, cotoveladas, cabeçadas e afins…) não só são aceites, como também incentivadas (particularmente pelos milhares de fãs que enchem as bancadas improvisadas da Praça). As duas únicas regras que devem ser tidas em conta são as seguintes: não se pode dar pontapés na cabeça do adversário e não se pode agredir (ou matar – sim, leu bem, matar!) alguém que esteja inconsciente. Se, pelo contrário, esse alguém recuperar os sentidos, aí sim, já pode levar porrada da boa que é para aprender a não participar em jogos destes. Deus abençoe quem criou esta regra que, diga-se de passagem, não existia quando esta modalidade foi criada.

O jogo não tem intervalos, time-outs nem substituições. Uma vez no campo, todos os jogadores são obrigados a lutar até terminar o jogo. Tendo em conta todas estas condições, não é de todo surpreendente que sejam necessários oito árbitros para acompanhar o jogo e os jogadores.

Esses grandes, musculados, violentos, mal-cheirosos e mauzões jogadores que arriscam as suas vidas nestes jogos são geralmente irmãos e primos de sangue e os adversários são, realmente, seus verdadeiros inimigos. Todos eles são oriundos dos quatro principais bairros da cidade: Santa Croce, na parte oriental, Santa Maria Novella, na zona mais ocidental, Santo Spirito, a sul do rio Arno, e San Giovanni, no centro histórico. Cada bairro tem a sua cor (Santa Croce: azul; Santa Maria Novella: vermelha; Santo Spirito: branca; San Giovanni: verde) e disputa cada jogo como se fosse o derradeiro combate pela sua vida e honra fiorentina. E estes tipos têm muita vida e muita honra para defender!

As origens

Estes encontros, que começaram a disputar-se com regularidade em meados do século XV, eram bastante apreciados pelos Medici, a família que governava a cidade. Esta família, dotada de uma riqueza bastante considerável, assistia a todos os jogos de uma das bancadas principais, onde convivia habitualmente com os mais ilustres aristocratas locais e com os emissários que chegavam de todos os cantos da Europa. Este era, sem sombra de dúvidas, um evento reservado para as elites. Consta que, entre os mais ilustres espectadores, estariam figuras como os artistas Leonardo da Vinci ou Miguel Ângelo. Mas não só. Entre os jogadores, há relatos que confirmam Nicolau Maquiavel e Clemente VII (que viria a ser Papa em 1523).

Os jogos eram inicialmente realizados no período do Carnaval e tinham lugar num campo rectangular de 100 por 48 metros, com uma bola de dimensões semelhantes às actuais. Só por volta de 1580 é que as regras foram oficializadas e o jogo aberto a todos: nobres e populares. Porém, com o passar dos anos, a tradição foi-se perdendo e, durante os século XVIII e XIX, o Calcio Fiorentino foi banido da cidade de Florença.

Mas não foi desta que esta modalidade/carnificina foi abolida de vez. Foi necessária a interferência do ditador italiano Benito Mussolini, ansioso por recuperar as tradições da era dourada italiana, e de um dos seus homens de confiança, Alessandro Pavolini, para que a bola (e o sangue) pudesse voltar a percorrer as pedras cinzentas e gastas da Praça de Santa Cruz. Este “renascimento” do Calcio deu-se em inícios da década de 30 do século XX e mantém-se até aos dias de hoje. Sem Mussolini, felizmente.

Ao contrário do que acontecia quando esta modalidade surgiu, hoje em dia, o Calcio Fiorentino não é exclusivo de uma determinada classe social, mas sim de pessoas de todas as esferas da sociedade. Todas elas são convidadas a assistir e a participar.

Dia de jogo em Florença

O dia da final do Calcio Fiorentino é um dia histórico para esta cidade italiana. As pessoas acordam bastante cedo e deslocam-se até à Praça de Santa Cruz, embelezada pelas bancadas de ferro e pelas coloridas bandeiras de cada equipa. Pelo caminho, é muito provável que estas pessoas se cruzem com as marchas populares que cada bairro promove para apoiar a sua equipa e chamar às armas os habitantes dos quatro bairros da cidade. Durante todo o mês de Junho, disputam-se os jogos preliminares entre as quatro equipas da cidade para determinar os dois finalistas. Depois das inúmeras polémicas nos últimos anos, a organização do Calcio Fiorentino obrigou as equipas a jogarem com atletas que vivessem há mais de um ano no respectivo bairro. Porquê? Ora bem, é simples: porque, nos últimos anos, a ânsia de vencer levou a que várias equipas contratassem lutadores de wrestling e de luta livre, falseando a sua morada para disputar os bárbaros e intensos encontros. E atenção que nós não estamos a exagerar. Estas disputas são autênticas guerras dignas dos tempos dos gladiadores romanos. E as consequências são brutais e arrebatadoras. Aliás, a violência e as lesões que resultaram das finais de 2010 e de 2011 atingiram um nível tal que se ponderou mesmo cancelar a edição deste ano. Contudo, essa medida não avançou e tudo correu pelo melhor. Com a edição de 2012 já terminada, não há nenhum caso (de maior) a realçar.

Mas voltemos ao embate. A hora do jogo aproxima-se a olhos vistos e as pessoas procuram o melhor lugar possível. Como é natural, essa é uma tarefa que não se adivinha nada fácil. Na Praça de Santa Cruz, cabem cerca de 10 mil pessoas sentadas e cinco mil em pé. Como todas as praças da cidade, esta não é muito grande e está cercada por edifícios históricos seculares. As equipas entram em campo após longas horas de espera sob um sol abrasador. Mal pisam a areia que cobre toda a praça, já se começa a sentir o cheiro a carne viva e a sangue derramado, o cheiro a barbárie prestes a ser vivida. Durante os próximos 50 minutos, Florença recuará 500 anos na sua história.

Defender para atacar

Bem ao estilo do actual futebol italiano, as equipas do Calcio Fiorentino estão muito mais preocupadas em defender do que em marcar golos. Portanto, se for de propósito a Florença para assistir a grandes jogadas carregadinhas de gestos técnicos e de golos de belo efeito, esqueça. Nem sequer vale a pena sair de casa. Este desporto não é para si. Aqui, nem o Messi nem o Ronaldo teriam hipótese. Quando muito, ainda poderia dar jeito um Bruno Alves ou um Pepe. Aqui, joga-se forte e feio, sem qualquer piedade. No final da partida, o bairro vencedor entra em êxtase e prolonga as suas festas pela noite dentro com fogos de artifício e um troféu para mostrar pelas ruas coloridas da cidade. Com a testosterona a atingir níveis elevadíssimos, também é natural haver escaramuças que resultam em várias costelas partidas e muitas nódoas negras.

TEXTO André Pereira

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wrestling à portuguesa

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Quando nos disseram que podíamos ver wrestling em Portugal sem ser na TV nem quisemos acreditar. Ainda por cima, com lutadores nacionais. Decidimos tirar tudo a limpo e fomos até Loures.

Estacionamos o carro mesmo em frente ao recinto. É de noite e está um calor estranho, que é como quem diz, um frio dos diabos. Dirigimo-nos para o outro lado da estrada, onde se encontra a pessoa com quem combinámos fazer esta reportagem: Axel, promotor, comentador e ring announcer da World Stars of Wrestling (WSW). Sim, o nome pomposo corresponde a uma liga mundial de wrestling composta por vários lutadores provenientes de todos os cantos do planeta e que tem como principal objectivo a realização de vários eventos de wrestling em vários países. Esta liga teve a sua estreia a 28 de Setembro de 2008, em Grândola. Desta vez, não estamos na “vila morena”, mas na suburbana cidade de Loures. É aqui onde o recinto está armado, ou, para ser mais correcto, onde a tenda está montada. Isso mesmo. Uma tenda de circo, com o formato tradicional e as cores garridas a sublinharem a nossa afirmação, ergue-se num descampado junto ao Loures Shopping. A área é enorme e está vedada por cancelas e camiões. À entrada, Axel apresenta-nos dois homens. À excepção da cor dos blusões (um veste um blusão verde fluorescente e o outro, um azul-escuro) e da notória diferença de idades, os homens são iguais. Mãos nos bolsos, postura hirta, olhos atentos e cabelo preso num rabo de cavalo. A nossa observação não é de todo descabida, visto que são pai e filho. O primeiro é Maximo Luftman, 40 anos, nascido em Itália, como se deduz pelo nome Maximo (que, em Itália, é o equivalente, em abundância, a um José ou a um António), e com raízes austríacas (daí, o apelido Luftman). O filho, Danny, 17 anos, nasceu em Espanha, é introvertido e um dos principais responsáveis pelo bom funcionamento de toda esta máquina. Mas já lá vamos. Primeiro, falemos do pai. Maximo é um homem do circo, honrando as tradições da sua família no papel de palhaço – um dos mais queridos no meio. Porém, a sua vida não se cinge à arte circense. Ele já andou por todo o mundo, tendo montado o mais variado tipo de espectáculos, de exibições e corridas de motas a concertos musicais. Neste âmbito, recorda nomes como os The Scorpions ou os The Kelly Family, bandas que proporcionaram movimentos de massas absolutamente extraordinários. Envolvidos pelas histórias de Maximo, começamos a encontrar história naquela tenda, naqueles panos e em todas as 16 viaturas da Maximo Luftman Wrestling (a empresa por detrás disto) que estão dispersas pelo recinto. Todas possuem os mesmos desenhos, imaginados e pintados por Danny. As labaredas amarelas e vermelhas servem de fundo a vários lutadores de wrestling, entre os quais Batista, Rey Mysterio e Hulk Hogan. “O grande Hulk Hogan, o meu maior ídolo”, afirma Maximo. Mas não só o grafismo dos camiões é da responsabilidade de Danny. Depois de alguma conversa, lá descobrimos que ele é também o responsável por todo o jogo de luz e de som. Foram cinco anos dedicados a uma aprendizagem intensiva… E solitária. Danny é auto-didacta e todo o espectáculo visual que nos apresenta surgiu depois de muitas horas em frente ao computador a aprender todos os programas que lhe permitem, agora, trabalhar com estes sistemas de topo. Como pode calcular, tudo isto supõe um enorme investimento, cujo valor Maximo não nos revela. No entanto, adianta que, só na deslocação de Coina (margem sul) para Loures (cerca de 40 quilómetros), gastou-se mais de 700 euros em combustível. Puxadote…

Preparação

Entramos na tenda. No centro, está um ringue, elevado a cerca de um metro do chão. Em cada canto, almofadas dispostas na vertical e três listas de cordas esticadas a delimitar o espaço. À volta, uma bancada com capacidade para cerca de 150 pessoas e outras tantas cadeiras viradas para o ringue. No total, um espaço para 500 pessoas se sentarem. À entrada, Axel prepara uma banca com vários produtos, de posters a DVD e máscaras. Estes últimos são os mais procurados, em particular pelas crianças, as principais adeptas do espectáculo. Os lutadores começam a chegar, uns sozinhos, outros em grupo, mas todos de saco ao ombro. Deitam um breve olhar ao ringue e dirigem-se aos bastidores. Já lá vamos ter com eles. Agora, é altura de fazer os testes de som e de luz. Uma música, outra música, mais alto, mais baixo, um jogo de luzes, outro jogo de luzes, mais escuro, mais claro. Está afinado. Enquanto isto, Axel grava várias promoções para colocar na Internet (em Sapo.pt, um dos parceiros do WSW).

Nos bastidores

Vamos agora ter com os protagonistas do espectáculo. Os balneários são improvisados, e compostos somente por um pequeno espaço atrás da entrada principal para o ringue. Tiram as roupas dos sacos, começam a vestir as calças, as luvas, as máscaras e, assim que apertam as ligaduras, transformam-se em lutadores. O aquecimento começa: uns sozinhos, outros acompanhados, e é neste momento que tentamos meter conversa com alguns deles. Para começar, calhou-nos “em sorte” Salvador, um rapaz de 21 anos cujo ídolo é ele mesmo. Aliás, quando lhe perguntamos por que razão enveredou por esta modalidade, responde de imediato: “Vi wrestling na televisão, olhei para aqueles franganotes e pensei: Sou bem melhor que eles”. Quando as coisas já estavam a começar a azedar, eis que surge em nossa defesa Seth Rodriguez, um lutador que já conta com mais de 50 combates no corpo. Ainda sem encarnar a sua personagem, diz-nos que já praticou artes marciais e que está a estudar Desporto e a trabalhar num call center. O wrestling é, para si, apenas um passatempo. Por agora, não é preciso atender nenhuma chamada, no entanto, o melhor é estar atento à campainha e ir para o ringue. A honra inicial cabe a Bammer, campeão europeu em título e o mais experiente de todo este leque de lutadores. Bammer – ou, fora do ringue, Bruno Brito – tem 28 anos, começou nisto do wrestling há dez, na escola Tarzan Taborda (o maior ícone da modalidade), passou por Inglaterra e pelo Canadá e, quando regressou a Portugal, em 2007, decidiu abrir a Academia Wrestling Portugal que ensina dezenas de rapazes e raparigas a serem verdadeiros wrestlers. Aliás, a esmagadora maioria destes lutadores estão ligados à sua academia. Mas vamos lá ao combate, que a sineta já tocou.

Combate

O espectáculo tem início e os desaguisados entre os lutadores são o ponto de partida para o que aí vem. De um lado, os “bons”, aqueles que o público (que pagou cerca de cinco euros para aqui estar) aplaude; do outro lado, os “maus”, que recebem todo o tipo de críticas por parte dos mais novos. Os combates sucedem-se e, por entre excepcionais golpes atléticos e uma ou outra provocação ao público presente, os lutadores vão caindo ao tapete. Seth Rodriguez, efusivamente aplaudido pelo público, levou a melhor sobre o convencido e voador Cougar.

O mesmo não pode dizer Ricky, que perdeu com Juan Casanova, numa arbitragem nada imparcial de Pégaso (árbitro convidado): “A organização da WSW achou bem tornar-me o árbitro especial convidado depois de terem visto o quão justo e pio sou. O combate é entre dois grandes atletas: um que é o meu grande amigo vindo de Espanha, o espectacular Juan Casanova, e outro que é um campónio como vocês, Ricky”. Tresanda a imparcialidade, não acha? O combate seguinte envolveu o nosso já conhecido Salvador e o estreante El Rayo Azul. A vitória caiu para o lado do primeiro, o que causou grande revolta no público. Os combates são intervalados por Axel, que faz um breve comentário ao que acabou de acontecer e que projecta os próximos cinco a dez minutos de lambada. Os que se seguiram foram de particular interesse. Como isto não é exclusivo dos homens, seguiu-se um combate entre duas meninas: Alice the Malice e Kelly subiram ao ringue e, para alegria da criançada (e, particularmente, dos pais – os homens, entenda-se), agarraram–se, puxaram cabelos, atiraram-se uma para cima da outra, rebolaram, gritaram, gemeram, abraçaram-se… (OK, é certo que estamos a escrever na Penthouse, mas vamos ficar por aqui). Resumindo e concluindo, foi um espectáculo digno de se ver, com a vitória a sorrir a Alice the Malice, a “má” ou, como o público carinhosamente a chamava, a “Popota”. Para terminar a noite em grande, o espanhol Leo Cristiani desafiou Bammer para o título europeu da WSW. O combate foi um dos mais espectaculares da noite, com piruetas, mortais e cambalhotas, mas não alterou em nada o seu curso natural, terminando com a vitória do português.

Final

Ouve-se a contagem final. Um! O árbitro está deitado no chão a olhar para nós. Os lutadores descem do ringue e vão até aos balneários para descansarem. Dois! a segunda vez que o árbitro leva a mão ao tapete. Minutos depois, os lutadores juntam-se ao público para distribuir alguns autógrafos. As crianças saltam das cadeiras e cumprimentam os ídolos. Compram máscaras e posters. A música continua. Três! O árbitro bate com a mão no chão pela terceira vez. Fim do artigo. Estamos eliminados. Vitória claríssima do leitor, que acabou o texto sem nunca ter ido ao tapete e sem levar um único sopapo nos queixos.

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festas sado-maso em portugal

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A Penthouse recebeu um convite impossível de recusar: infiltrarmo-nos numa festa exclusiva de BDSM. Sim, exactamente o que está a pensar: sado-maso, chicotes e muito cabedal e latex à mistura. Nós contamos tudo o que vimos neste convívio inacessível ao comum dos mortais.

Sapatos pretos, calças pretas, camisa preta e casaco preto. Nem o Luís de Matos veste tanta roupa escura, mas foi esta a nossa indumentária para podermos estar presentes na festa BDSM que se realizou recentemente em Lisboa. Antes de abrirmos o portão enorme e pesado que dá acesso ao interior do recinto, vamos esclarecer o que é isso de BDSM. Esta sigla é composta pelas primeiras letras das seguintes palavras: bondage, disciplina, sadismo e masoquismo, um conjunto de padrões característicos do comportamento sexual do ser humano. O objectivo do BDSM é obter prazer sexual através de jogos de poder, que podem envolver dor, sacrifício, submissão, tortura ou cócegas, por exemplo. Para quem é muito tradicional no que ao sexo diz respeito, isto pode parecer muito estranho, mas aqui tudo é permitido. Desde que haja, obviamente, um pré- acordo mútuo entre os envolvidos. Damos esta explicação porque temos de admitir que também nós tivemos de nos informar sobre o que iríamos encontrar nesta festa. (Sim, caro leitor. É muito provável que perceba mais deste tema do que o tímido e curioso jornalista que aceitou este desafio.) Voltando à nossa festa, um corredor comprido e frio era tudo o que separava o portão da recepção. Três pessoas estavam à volta de uma mesa pequena, improvisada, com um bloco de bilhetes, vários panfletos da festa, uma caixa registadora e uma máquina portátil de multibanco. Uma mulher de cabedal, perfeitamente “equipada para o jogo”; as outras duas igualmente a preceito, mas com roupas mais discretas, que não impedem o uso abusivo de decotes. A noite ainda mal tinha começado e o staff ultimava alguns pormenores: luzes, música, bar, quiosque, esplanada… Pagámos o nosso bilhete e entrámos.

Um casal com uma filha entrou connosco. Ele, mais de 50 anos, baixo, de cabelo branco puxado para trás e uma barriga saliente igual à de muitos portugueses com a sua idade. E com um chicote na mão. Com ele seguia a mulher, uma senhora que fazia lembrar a Branca de Neve, mas com um físico que impunha respeito a qualquer tentativa de assalto. Junto deles, uma jovem que deveria ser a filha, pelo menos, a julgar pelas semelhanças físicas. Vestia uma saia de xadrez vermelha, tipo “colegial”. O “pai” ia à frente a controlar a situação. Olhava em volta a apreciar com calma e astúcia os mais diversos recantos. Já a “mãe” puxava a “filha” por uma corrente presa ao pescoço, e o seu olhar era mais lascivo e perigoso. Ai de quem se metesse à frente. A filha vinha atrás, com olhar tímido, mas atrevido. Este foi o nosso primeiro contacto com o que iríamos encontrar na festa e não deixámos de pensar que estas três pessoas podiam perfeitamente ser nossas vizinhas, ou trabalhar nalguma loja frequentada por nós. Eram três indivíduos normalíssimos, mas nada do que idealizámos encontrar.

Como qualquer um, a nossa imaginação é construída por imagens que vamos retendo das revistas, filmes e publicidade, e não há como negar, aí todos os intervenientes parecem o Brad Pitt e a Angelina Jolie, ainda que vestidos de latex ou cabedal. E pensamos sempre em sexo. Ainda que o conceito BDSM não entre por essa via. Mas voltando à festa, enquanto o pai ia conduzindo a família por entre algumas chibatadas no rabiosque da jovem sempre que ela olhava para onde não devia, nós continuámos a circular e aproveitámos para apreciar o cenário onde nos encontrávamos. O local – que não revelamos onde era, porque assim ficou combinado, apenas podemos dizer que era em Lisboa –, tinha alguma classe e requinte. As paredes enormes compostas por pedras seculares, albergavam um átrio espaçoso e antigo, composto por altas colunas retalhadas. Do lado esquerdo, uma sala de teatro iluminada por um vermelho baço, sombrio. Cerca de 50 metros quadrados vazios, delimitados por cadeirões. Dois camarotes e um primeiro balcão virados para um palco de seis metros quadrados transformavam a sala num sítio misterioso. Num dos camarotes, estava uma DJ a pôr música. Placebo, U2, Nightwish e Marilyn Manson, como que a provar que os adeptos do BDSM, apesar de mais selectivos nos seus gostos sexuais ouvem o mesmo que os outros. Voltámos ao átrio e dirigimo-nos para o outro lado. Encontrámo-nos ao ar livre, onde há um bar, um palco e um quiosque de venda de artigos próprios para a festa, e uma esplanada semicoberta com várias mesas, onde as pessoas, que entretanto começavam a chegar, se sentavam a conversar calmamente. Falam da vida, dos filhos, do trabalho, do estado do país. Falam de tudo, como qualquer pessoa numa mesa de café. A única diferença é que, ali, as pessoas estavam forradas a latex dos pés à cabeça (passando por todas – sim, todas – as partes do corpo). Uma mulher vestida a rigor tinha o homem preso por uma corrente. Era o único que não participava na conversa. Não por ser tímido ou por ter algum problema de fala, mas sim pela máscara que lhe tapava a cara. Dois furinhos para os olhos e um fecho no sítio da boca. “Agora não se pode falar, meu menino, quem manda é a dona”. Ou melhor, a “dominadora”. Ele é o “submisso” e só tem de obedecer, caso contrário, leva uma chibatada. E não é que levou mesmo? Uma, duas, três… Ajoelhou-se, beijou os pés da dominadora e rastejou. Olhámos à volta e vimos uns quantos assim. Naquele momento, tivemos de disfarçar um olhar de surpresa porque, apesar de sabermos ao que vamos e respeitarmos esta filosofia de vida, acabamos por reagir como qualquer um que não conheça este mundo por dentro. E foi naquele instante que percebemos o porquê de estas festas serem secretas e de acesso limitado. Quem é que consegue estar à vontade com mirones curiosos em cima de nós? Deviam estar a sentir-se como quem tem um acidente na A5 e leva com os curiosos das duas vias. Afastámo-nos e deparámos com uma espécie de cadeira almofadada inclinada que se encontrava no centro da esplanada. Ali, uma senhora com mais de 60 anos, de rabo ao léu a levar chicotadas de um homem que anda à sua volta a distribuí-las. A senhora, que seria possivelmente avó de alguma criança, aceita o seu castigo com um à-vontade desarmante. O homem usava uma coleira de picos ao pescoço, uma camisa de renda, calças de latex e umas botas com saltos de 15 centímetros. A sua postura tremendamente teatral e encenada com muito afinco fez-nos suspeitar que, finalmente, a personagem ganhava vida. Demos azo à imaginação e visualizámos este indivíduo a trabalhar numa repartição de finanças à espera que chegue o fim-de-semana para dar asas ao seu alter-ego, tal qual um super-herói ou, neste caso, um castigador de latex.

Entretanto, a música subia de volume e as pessoas dirigiam-se para a sala de teatro. Estava prestes a começar um espectáculo. No palco, uma mulher ajoelhada. Vestida apenas uma túnica, olha o público nos olhos. Entra um homem em palco, despe-a e começa por lhe atar várias cordas em torno do corpo. Tudo com o máximo cuidado, ao som dos Massive Attack. Um desenho de cordas começa a ganhar forma no corpo da rapariga que, a pouco e pouco, vai sendo presa a outras cordas que caem do tecto. Fica suspensa, e o artista continua o seu trabalho de forma eficaz. Atingido o ponto alto, o público bateu palmas e fez-se o percurso inverso. O segundo número consistia numa representação alternativa da história da Branca de Neve. As roupas coloridas da Disney são substituídas por outras, também coloridas mas de late, e mais raparigas do que as da história original, provocam- se com dildos. Até que um príncipe encantado encontra a sua amada. Só isto. Por momentos divagámos nas nossas expectativas e ficámos à espera de sexo, mas mais uma vez recordamos as noções explicadas: no BDSM não há sexo. Especialmente da forma que imaginamos. Vive de insinuações, provocação e jogos de poder. Exactamente o que acabáramos de assistir em palco. Resumindo e concluindo: há chicotes e correntes? Há. Há dominadores e submissos? Há, sim, senhor. Há mordaças e algemas? Com certeza que há. Há sexo? Não, de forma alguma. Deveria haver? “Claro!”, dizem alguns. Mas aí não seria BDSM…

Para nos despedirmos em beleza, deparámo-nos novamente com o nosso trio familiar preferido. O pai, entretanto, deixara de controlar a situação e a Branca de Neve gigantesca obrigava-o a ajoelhar-se e a pedir perdão por todos os seus pecados. Ele, vestido apenas com um fio dental que lhe tapava os órgãos genitais, aceitou o castigo e juntou-se à filha na sua punição. Um momento íntimo de que nos afastámos discretamente, em direcção à saída, ao mesmo tempo que nos apercebíamos de como a nossa idealização da festa estava errada, em particular no capítulo intervenientes. Quem espera encontrar nestas festas modelos da Victoria’s Secret em versão napa e cabedal tire daí o sentido, pois estamos em Portugal e louras deslumbrantes de pernas compridas não moram aqui. Jovens seminus com abdominais de Deus grego não fazem parte deste campeonato. Vêem-se portugueses banalíssimos, que apenas pretendem divertir-se de acordo com o seu estilo de vida, sem chatear ninguém e, de preferência, sem ninguém que os chateie. Confessamo-nos desiludidos – provavelmente, por culpa das altas expectativas que tínhamos –, mas temos de admitir que para quem estava ali com a missão de mirone seria mais interessante encontrarmos algumas mulheres do calibre daquelas que costumamos ver nas edições da Penthouse. Certo?

TEXTO André Pereira | ILUSTRAÇÃO Jorge Coelho

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