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Dezembro, 2024
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o velho no muro

Comentários (0) cada um é muita gente, contos

Na esquina, dizendo adeus. Lá está ele, velhote, vivendo enquanto partem os seus. Já não há ninguém da sua idade, da sua geração. Todos partem, ele não. E insiste em ficar, como quem não quer a coisa, como quem nem liga à vida, a observar. Sentado ao sol, num pequeno muro de pedra, vê as vidas dos outros a passar. Ora de carro, ora a pé, muita gente lhe levanta a mão para o cumprimentar. E ele levanta a sua de volta, e volta a vida a passar. O que lhe vai na cabeça, nos olhos que controlam a estrada? Tanta coisa, talvez nada. A sua vida é estar ali, observando o que se passa à sua frente, dando um certo objectivo ao seu dia, dando-lhe que fazer. Se alguém lhe perguntar, ele dirá que está a viver. Tanta gente que ele vê, que passa ali naquele lugar. Tanta vida que ele, ali, deve inventar. Aquela leva os filhos à escola, aquele vai almoçar, aquela vai às compras, aqueles vão trabalhar. Esteja frio ou calor, ele não sai dali durante uns bons infinitos. Sempre que o vejo, ele está lá. Mas não passa lá os dias inteiros, obviamente. Tem a sua vida noutros lugares, em casa, na horta, no café, nos caminhos, na família. Eu é que olho para ele ali, naquela esquina, naquele lugar, e parece mobília. Parece tudo aquilo que nós quisermos pensar. Um velho ali quieto, a olhar. Faz parte da paisagem, fará parte da miragem quando ele deixar de existir. É ele a sua imagem, é ela que nos diz adeus a sorrir. Ora de boné, ora de gorro, o tempo não lhe mete medo. O que será que ele vê além do óbvio? Qual é o seu segredo? Será que conhece mesmo toda a gente? Será que está ali só por estar, indiferente? Talvez sim, talvez não. A verdade é que ele existe naquele lugar, naquele instante, levantando a mão. Por vezes, faz só um aceno com a cabeça. E aquele gesto ameno faz com que tudo aconteça. Se eu o olho e lhe digo olá, todo o seu rosto brilha, e parece que ele sai da ilha onde está. Todo ele sorri, todo ele é dono de si, da sua felicidade. Alguém o viu, alguém lhe disse olá ou disse adeus – é tão difícil distinguir – e ele respondeu do lado de lá, sempre a sorrir.

Jornal de Leiria

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o meu pai

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O meu pai conta sempre as mesmas histórias. O meu pai inventa canções. O meu pai está sempre a rir. O meu pai é corações.

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era o meu padrinho

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Era o meu padrinho. Era um homem forte além de todas as medidas. Era um menino de olhos grandes azuis com medos que lhe vieram do outro lado do mar. Era assim, da forma errada, que se fazia na guerra. Era assim, da forma triste e revoltada, que ele vivia desde o dia em que voltou à sua terra. Era um estudioso, um exemplo, um herói. Era um senhor, um lutador, um amor que já foi. Era o meu padrinho. E era muito mais do que tudo isto. É por isso que dói.

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