parabéns, gaiato
O meu avô faria hoje 95 anos. Nunca lá chegarei. Ele chegou perto porque, tendo quase 95 anos, não tinha mais de 10. O meu avô, enquanto meu avô, e não enquanto severo pai do meu pai e dos meus tios, sempre foi uma criança, um gaiato rebelde que nos dava calduços à sucapa e não aceitava uma derrota na brincadeira das damas, das cartas ou do dominó. Levava a brincadeira a sério – como todas as crianças levam – e amuava quando um dos netos ou, em tantos casos, todos os netos lhe davam uma cabazada histórica de meia-noite. O meu avô de 10 anos, com quase 95, fazia corridas com os netos e com os bisnetos. E ganhava. E fazia pirraça a quem perdia. O meu avô criança, já velhote, tinha um olhinho azul que brilhava sempre que lembrava uma ou outra catraia que tinha catrapiscado há mais de 70 anos. O meu avô pequenino, já grande, tinha um sorriso malandro sempre que lhe oferecíamos, assim às escondidas, um xiripiti depois de almoço. O meu avô faria hoje 95 anos. Mas é a criança que ainda me anda para aqui a correr na memória. O gaiato do meu avô…
a minha avó
Hoje, faz anos a minha avó. A minha avó já não existe. Foi embora quando eu era pequenino. Morreu. Mas não morreu muito (morre-se muito quando não se é lembrado). Esta é a única lembrança que eu tenho da minha avó. E, mesmo ou sendo única, faz-me lembrá-la muitas vezes. Eu deitava-me numa manta feita de retalhos e a minha avó puxava-me e levava-me a ver o mundo inteiro naqueles poucos centímetros que ela conseguia percorrer comigo ao colinho da manta. Hoje, é de um só retalho a lembrança que tenho da minha avó. Mas continuo a viajar graças a ela. Deitado com ela dentro. Obrigado, avó. E parabéns.