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a repetição do conforto

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“Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos”. A frase é de Benjamin Franklin e vem provar algo de muito evidente: Benjamin Franklin nunca esteve em Portugal. Cá, há duas coisas mais certas do que a morte e os impostos: os incêndios e as cheias.

E, com essa certeza, vem outra: a de que vai continuar a haver portugueses especialistas nos incêndios e nas cheias.

Este ano, os incêndios atacaram o nosso país de forma dramática. Infelizmente, há deles que continuam e outros que talvez venham a atacar. No entanto, esta semana, choveu. Muito. Especialmente em Lisboa, provocando cheias. E claro que este contraste tão temporalmente próximo veio pôr a nu uma das mais vincadas características dos portugueses: o refilanço. Mas fundamentado, claro, sempre fundamentado.

Claro que isto não é exclusivo dos portugueses, mas a nossa queda para o fado e para o drama dá outra graça (e tragédia — que estes andam sempre de mão dada) a isto.

As razões são simples, dizemos nós: incêndios “porque as matas não são limpas” e “porque a floresta foi mal plantada”. Cheias “porque os esgotos estão entupidos” e “porque as ruas estão mal feitas”. Soluções? Mais simples ainda. Para os incêndios: “pôr os militares a limpar as matas” e “responsabilizar os proprietários”. Para as cheias: “obrigar as pessoas a limpar as ruas” e “controlar as barragens”.

Todos os anos, desde o ano de 1143, que Portugal tem incêndios e tem cheias. Não tinha antes porque antes não havia Portugal. E todos os anos, desde esse ano, que há portugueses a elaborarem teses de doutoramento do bitaite sobre os incêndios e sobre as cheias.

Temos todas as razões e soluções na ponta da língua, quase como se já estivessem engatilhadas desde o último evento deste tipo. Depois, é só disparar. E andamos neste círculo vicioso, nesta lenga-lenga de crítica, que nunca muda e que nunca faz mudar.

Mas talvez seja essa a nossa vontade. Que nunca mude. Quase como se precisássemos dos incêndios e das cheias para podermos mostrar que sabemos por que razão acontecem e qual a solução para que deixem de acontecer.

Mas será mesmo (só) isto? Ou estaremos reféns destes eventos por nos darem o conforto da sua previsibilidade? Falar de incêndios e de cheias em Portugal é quase como falar do jogo da nossa equipa. Sabemos tudo. Quem marca os livres, quem põe o fogo e quem entope os esgotos. Golo.

Sair do conforto é que não. Esmiuçar os incêndios e as cheias, sim, por favor, todos os anos. Sabemo-los de cor. Discutir, de forma constante, qualquer outro tema que nos coloque fora de pé é que já não dá jeito. As nossas opiniões repetem-se a cada ano não porque a História se repete, mas porque nós repetimos a História.

Opinar sobre os incêndios e sobre as cheias poderá ser uma espécie de tapar o sol (e a chuva) com a peneira da nossa falta de conversa e de coragem. Evitando silêncios que nos embaraçam e disparando conversas repetitivas que nos tornam seres humanos repetitivos. E, para isto da repetição, já nos bastam os impostos. E a morte.

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