antes o poço da morte
Fora a crença, presente ou não. Sejamos a pessoa doente que está no poço da morte (sofrendo, sem cura). Não há volta a dar. A volta é só a que vai. Não volta. E essa volta custa-me a mim, pessoa que sou neste exercício da imaginação que não está livre de ser da realidade.
Custa-me a mim, dói-me a mim, e a única recompensa – que nunca irei sentir, é um facto – é a ausência dessa dor. E não sentir não será melhor do que sentir isto que não me deixa sentir outra coisa, nunca mais?
Quem está fora da cama, desse lado onde se discute a minha vida – que é, também, a minha morte -, quer ver-me a não morrer ou a não sofrer? A primeira afecta quem me vê, quem está fora da cama, quem, eventualmente, sofre pela minha morte, não eu. A segunda afecta-me a mim. E é aqui que está a discussão certa. Em mim, não em vocês.
Eu, que estou neste poço da morte (sofrendo, sem cura), tenho a vontade de não sofrer e a recompensa de não viver com ele. Se a morte é a solução, que seja e que seja a minha, e não a de quem não suporta a ideia a que vem amarrada a suposta culpa de me ver morrer.
Não há culpa, isso não é culpa, é egoísmo. A verdadeira morte é esta que me existe enquanto vou sofrendo sem qualquer possibilidade de não voltar a sofrer.
E não trago ninguém comigo, não se preocupem. Comigo, como eu vou, vai quem quer. Quem não quer vir, quem quer continuar a sofrer, pode ficar. Não é minha vontade decidir pelos outros. Não seja a vossa decidir por mim.
crença, a puta da doença
A morte é o gatilho para a crença, deus é o segredo (só existe no medo), nós somos a doença.
A tríade é simples e a ignorância também. Depois da morte, o que vem? Não sabemos, e, não sabendo, inventamos algo que nos mate (em vão) essa angústia. A invenção chama-se deus que é ilusão, ser todo-poderoso, criador do céu e da terra, nascido do ventre sujo do medo, do nosso medo, do medo da gente crente que é doença, criatura toda-poderosa, criadora do deus e do diabo, nascida do ventre embaciado da incerteza.
Enquanto inventamos o depois da morte, a vida vai acontecendo sem darmos conta. Ela passa e nós passamos por ela morrendo aos poucos e crendo aos muitos.
É a crença que nos faz ser a puta da doença. Nada mais há para além dela, nada mais pode haver, toda a vida é pecado, mesmo que real, toda a morte é real, mesmo que inexistente – a visão de um cego. Se deus existe, já nasceu doente.
o gatilho para a crença
A morte é o gatilho
para a crença,
deus é o segredo
(apenas existe no medo),
nós somos a doença.