penso que sou pouca coisa
Olho para dentro como se dentro fosse o único lugar. E dentro é como se fosse sempre o passado. Olhar para fora, para os outros, para o mundo, para o acaso, para o indefinido, é olhar para o futuro. E isso custa-me. Sinto que tenho mais atracção por dentro. Entro sempre neste processo quando são accionados gatilhos: a lembrança de qualquer lugar, a minha presença com alguém, a minha diferença (quase fraqueza) de, ao estar com os outros, não estar com ninguém. Isso faz-me sentir que estou em falha, que estou a perder tempo, que não vou encontrar, que o melhor é voltar. E, se o melhor é voltar, vamos arranjar o que está. Mas nunca há real vontade de voltar. Pelo menos, não por inteiro. É sempre a vontade de voltar a ter momentos, sentimentos que lá ficaram e que, por qualquer motivo, tenho medo de que se tenham perdido. O passado passou e parece que desapareceu. Se os sentimentos já não se sentem, é porque já não existem. Este processo de ruminação, de me olhar dentro em constante loop, faz-me reviver esses sentimentos, faz-me mantê-los vivos, como se eu quisesse, constantemente, confirmar a existência do que aconteceu e, talvez em última análise, confirmar a existência de mim mesmo, do que sou. Porque penso muitas vezes no que sou e, por vezes, penso que sou pouca coisa, que sou só presente e que tudo passa a correr, que não há espessura temporal, e que a vida é “só viver”. Tenho a necessidade de me sentir robusto, cheio, convicto do que sou e do que já conquistei na vida. Mas pareço-me sempre um conjunto de fragmentos dispersos à procura de uma cola qualquer que os junte. Estou sempre à procura no passado – que é, talvez, o sítio errado.