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o teatro ambulante chopalovitch – em ti, philippe

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Uma peça de teatro que é uma dança entre o teatro e a guerra. Uma companhia teatral leva a ilusão, o fingimento, a alienação, da vida, a vida, para a guerra. Na terra, há gente que não aceita que se viva, que se finja, que se brinque. Não naquele momento. Há gente que rejeita o teatro apenas por este permitir uma fuga à realidade. Mas esta fuga é falsa, é sempre falsa. Ninguém foge da espingarda do soldado nem do nervo de boi do carrasco. O teatro não impede, alivia. Não nas costas, não no rosto, não nos dentes, mas num lugar qualquer que ajuda a suportar isto da vida. Nesta dança, a guerra mata o teatro e o teatro mata a guerra. Mas nenhum dos dois morre. Philippe, o louco que confunde a realidade com as peças que já representou, é o único que, sendo ou não sendo louco – que definição é essa da loucura? – sobrevive a todas as vergastadas da guerra. Só morre quando leva uma rajada de metralhadora. (É difícil resistir a isso.) Todos os outros vão morrendo. Mesmo aqueles que inventam o que levam para o palco. No entanto, chegando ao fim, sobrevivem. Mas sempre morrendo. Talvez esteja a insistir nisto, mas senti isto mesmo, que todos vão morrendo, talvez, até, que todos já estejam mortos – os soldados por só matarem, as gentes da terra por não terem esperança, os actores do teatro ambulante por terem noção da morte que os cerca e por só terem a possibilidade de se refugiar na ilusão, no teatro, nunca se refugiando inteiramente, precisamente por ser ilusão, por ser teatro. Só Philippe, o louco – um dos actores da companhia – é que apenas vive, por não ter qualquer noção do que se passa – nem da guerra, nem do teatro. Só vive quem não tem noção? Talvez não. Talvez a noção da morte até ajude a viver. Mas todos lidam com ela, menos ele. Ele não sabe dela por também não saber da vida e, por efeito, por não saber da ilusão da vida. E é por isso que vive, que não se importa, que inventa, que confunde, que brinca, tudo sem intenção. Por não saber o que faz. Ele é assim e quem é assim, como ele é, vive e não vive, morre e não morre. Ele é o único que morre porque é o único que vive. «Quem és tu? Lear, se tu és Lear onde está a tua loucura?» Em ti, Philippe.

O TEATRO AMBULANTE CHOPALOVITCH
Texto: Lioubomir Simovitch | Encenação: Jorge Silva | Tradução: Rui Duarte | Interpretação: André Nunes, João Saboga, Mariana Lobo Vaz, Miguel Mateus, Marques D´Arede, Nuno Nunes, Patrícia André, Rita Godinho, Sara Azevedo, Sílvia Filipe, Sofia de Portugal e Victor Santos, Daniela Santos, Madalena Graça, Maria João Felino e Susy Ferreira | Cenografia: Rui Francisco | Figurinos: Maria Luiz | Desenho de Luz: Tasso Adamopoulos | Música: Afonso de Portugal e Rui Rebelo | Vídeo: José Ricardo Lopes | Fotografia: Luana Santos | Design Gráfico: João Rodrigues | Consultoria de Comunicação/Assessoria de Imprensa: Sofia Peralta | Direcção de Produção: Daniela Sampaio | Produção Executiva e Divulgação: Marco Trindade | Confecção de Guarda-Roupa: Teresa Louro | Construção Cenográfica: JSVC Decor | Operação Técnica: Gi Carvalho | Produção: Teatro dos Aloés 2023

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