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desculpa escrever-te tão tarde

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A verdade é que, por muito que me dedicasse a juntar as palavras da forma mais cuidada possível, nunca consegui fazer com que elas transmitissem o que eu queria dizer. Hoje, porém, decidi arriscar.

Escrevo-te mesmo sabendo que a carta não te será entregue. Escrevo-te mesmo sabendo que não terei uma resposta tua. Escrevo-te mesmo sabendo que não me vais ler. Bem vistas as coisas, nenhuma dessas acções seria necessária. Esta carta, mesmo tendo o teu nome como destinatário, é muito mais dirigida a mim do que a ti.

Faz um ano que te conheço de uma maneira diferente. Mantenho comigo as nossas brincadeiras no chão em frente à lareira de tua casa, as nossas tardes de Verão a ver a Volta a Portugal em bicicleta, as nossas discussões enquanto jogávamos computador, as nossas cúmplices saídas à noite, as nossas cervejas não autorizadas, os nossos fins de tarde a ouvir rádio no teu quarto, as nossas zangas durante as férias, as nossas picardias à mesa de snooker, as nossas aventuras na serra do Caramulo, os nossos abraços no Estádio da Luz. Mantenho comigo todas estas memórias, mas desde aquele dia em que partiste, nasceram outras. Agora, por mais estranho que pareça, sinto-te mais perto.

Todos os dias brincamos, todos os dias discutimos, todos os dias ouvimos rádio e todos os dias falamos, mesmo sabendo que, tal como acontece nesta carta, nunca chegarei até ti, nunca me irás responder e nunca sequer me irás ouvir. Mas eu insisto e, sinceramente, devo dizer que me faz bem. Eu avisei que esta carta era muito mais dirigida a mim. E como eu gostaria que ela nunca tivesse sido escrita. Desculpa escrever-te tão tarde.

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