estar longe
Há um grande equívoco nisto do vírus: a promoção do distanciamento social. Um engano. Não é o distanciamento social que devemos incentivar, pedir, desejar até. É o distanciamento físico. Físico. Devemos evitar a aproximação de corpos, sim, não a aproximação de conversas, ideias, discussões, carinhos, preocupações, vontades. Os cartazes de rua e as manchetes de jornal não deveriam obrigar ao afastamento social, mas sim à aproximação social. O afastamento de mãos, de braços, de bocas, sim, tudo bem, que é isso que, de facto, transmite o vírus. O afastamento de tudo o resto que há além disso, não, que é tudo o resto que há além disso que transmite o que somos. Acho mesmo que deveria haver, ao contrário da errada medida que é imposta, um incentivo à aproximação social. Nunca, aliás, foi tão necessário, tão indispensável, tão essencial aproximarmo-nos uns dos outros. Estamos longe, caraças, cada vez mais longe. E claro que não falo da aproximação de peles, que isso é o menos importante quando nos tocamos. Distanciamento físico de dois metros, aceito, distanciamento social de menos dois, a ponto de, não só tocarmos, mas entrarmos no outro, irmos lá dentro, sem tocar, e falar, perguntar, ouvir, acariciar e existir, quero. Aproximemo-nos socialmente, mesmo sem tocar, que o vírus só nos afasta dos corpos, não daquilo que temos dentro, e que nos faz ser. E sonhar.