henrique
Foi hoje, noutro ano que não este, que tu foste embora, que tu partiste, não, que tu morreste. Não há palavrinhas bonitas nem eufemismos nem outras coisas escritas que dêem verdade ao que te aconteceu. Morrendo, porém, não deixaste de existir, de ter pai, de ter irmã, de ter mãe. Não deixaste de ter amigos e família que te velam como se fosse uma vigília da memória, por vezes, como se fosse uma história daquelas más, com lágrimas e gritos, morte, como foste capaz? E nós aqui aflitos. Foste capaz, aconteceu, e agora, para nós, ninguém te traz, mas nós esperamos e lembramos e choramos e cá estamos. Sós. E, quando a voz nos sai em gritos e clamores, só assim, só dessa maneira, resta-nos a escrita e, escrevendo, vão-se calando as dores, vai-se adiando o fim e dando à choradeira outra forma de ser aflita. Foi hoje, noutro ano que não este, que tu foste embora, que tu partiste, não, que tu morreste. Foi hoje, foi ontem e foi todos os dias que ainda não o são que tu, não falando, não ouvindo, não sentindo, foda-se, que não estando, vives na tal vigília da memória que nos parte e reparte e nos deixa na pior parte dessa história que nos vela o coração.